segunda-feira, 11 de junho de 2018




Um passeio por Portugal com o único Master of Wine do Brasil 

Público aproveita para degustar vários dos melhores rótulos portugueses

O blog participou de uma prova de degustação com Dirceu Vianna Júnior, detentor do cobiçado título de mestre dos vinhos, no evento “Vinhos de Portugal”, realizado no último fim de semana em São Paulo


Por Adriana Cardoso

"Há uma história cheia de regras para o vinho, o que assusta as pessoas. Eu procuro simplificar." O paranaense Dirceu Vianna Junior, radicado em Londres há quase 30 anos, é um bálsamo num universo tão glamourizado e cercado de enochatos, como ele mesmo destacou em algumas entrevistas, que colocam o vinho num pedestal muito alto e inalcançável para a maioria dos comuns mortais. Ele, ao contrário, quer aproximar o vinho das pessoas (ou vice-versa), desmistificando-o.
Tive o privilégio de participar da prova “Portugal, uma viagem pela diversidade” (privilégio, apesar do preço salgado do ingresso) no último fim de semana, durante o evento "Vinhos de Portugal", no Shopping JK Iguatemi, na zona sul da capital paulista. Além de ter saído com a sensação de que tenho ainda uma longuíssima estrada a percorrer no mundo da enologia, tive a impressão de que Vianna, ao contrário dos enochatos, é um cara muito gente boa e humilde. E justo ele, que tem currículo invejável para se achar o tal.
Único brasileiro a deter o difícil título de Mestre dos Vinhos ou Master of Wine, em inglês (quem assistiu ao documentário “Somm”, na Netflix, entende o que digo), o enólogo nos levou, durante uma hora, por um passeio pelas regiões produtoras de Portugal, e selecionou para a prova aqueles que ele considerou entre os melhores vinhos levados por produtores, representantes e importadores ao evento. A seleção sintetizava um pouco uma história de mais de 4 mil anos do setor vitivinicultor português, como ele enfatizou.
"Vocês vão sentir uma diversidade muito grande, que na verdade é uma mescla de clima, solo, altitude, história, cultura e fator humano", disse.
Vianna destacou os diferentes tipos de solos no pequeno país (areia, granito, xisto e argila), com extensão territorial similar ao estado de Santa Catarina (pouco mais de 92 km2); a influência Atlântica, Continental e Mediterrânea, com temperaturas médias de 10,5 ao Norte e 17 graus Celsius ao Sul; e a altitude dos vinhedos, que vão de zero a 700 metros e voltados a faces variadas, beneficiando-se desse amálgama climático.
O resultado de tamanha heterogeneidade é o grande tesouro português: a variedade de castas. Segundo ele, Portugal ganha da Itália em número de varietais nativas por densidade plantada. São ao menos 250 no total, pelos números apresentados por ele. Vale frisar "por densidade", uma vez que o país em formato de bota é o líder.
"Todas as vezes que vou a Portugal, e vou muito, sou surpreendido com uma nova descoberta. Vocês já ouviram falar na uva Tamares? Há muitas castas indígenas esquecidas que estão sendo redescobertas", conta ele, que está fazendo um trabalho de pesquisas a pedido do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), com a ajuda de enólogos portugueses. "Estamos avaliando o potencial de vinificação dessas castas", contou.

 Autenticidade
Apesar de a ditadura Salazarista (de António de Oliveira Salazar – 1932 a 1968) ter fechado o país por muitos anos, ao menos serviu para Portugal preservar as suas tradições no setor vitivinicultor. Abraçar o tradicional, contudo, não impediu que o país flertasse com a tecnologia, nas palavras do especialista.
"Temos Domingos Alves de Souza (premiado produtor da região do Douro) e o filho dele, Tiago Alves de Souza, também enólogo premiado. Esse é o fator humano de que falei, o sangue novo, uma mescla de pessoas experientes com gente nova, que não têm medo de aceitar a tecnologia", elogiou.
Nesse aspecto, ele passou uma reprimenda nos produtores brasileiros. "Os portugueses são mais abertos ao intercâmbio cultural. Quando produzem algo novo, buscam uma opinião diferente. Isso não acontece no Brasil. Os produtores brasileiros estão muito fechados, não estão dispostos a ouvir. Falta um pouco de humildade ", criticou.

Vinhos verdes
Sobre os vinhos verdes, que se tornaram a marca de Portugal, Vianna chamou a atenção para o fato de que é errado pensar que esse estilo de vinho é somente jovem.
"Há vinhos com mais de 15 anos de idade, muito bons. Por isso, é errado pensar que os vinhos verdes não envelhecem", assegurou, antecipando novidades: "Eu lhes garanto que veremos mais vinhos verdes varietais (quando predomina uma casta) como Avesso, Azal num futuro não muito distante."
Outra tendência que já vem sendo testada por vitivinicultores portugueses é o envelhecimento de vinhos verdes em barris de madeira velha, de 400 litros, pois impactam menos na característica final do produto.

Vamos à prova!
O primeiro gole foi do Espumante Reserva Marques de Marialva 2014, da Adega de Cantanhede, considerada o melhor produtor de 2013 em Portugal. Em tom confessional, o mestre dos vinhos nos disse: "Portugal não é o país dos espumantes, mas tem bons. A paciência influi na qualidade, que precisa de um descanso mínimo de 12 meses".
Ao primeiro gole, ele nos ensinou: "Aprendi isso quando fiz a prova do Master of Wine: o PH da boca de manhã não é adequado. Sempre nos dá uma percepção distorcida do vinho. Recomendo que vocês sempre provem mais à tarde". Era pouco mais de meio-dia. E continuou: "Esse espumante (cortes Bical e Arinto) descansou 24 meses, tem cinco gramas de açúcar residual e pode ser servido como aperitivo ou com um salmão defumado. Tem boa complexidade, lembrando pão torrado e brioches".
Na sequência, provamos um vinho verde varietal Alvarinho 2016, do premiado João Portugal Ramos, feito com maceração pré-fermentativa a baixa temperatura e fermentação controlada a 16 graus. Cor citrina, aromas cítricos, florais e frutos tropicais. Muito leve e refrescante.
O terceiro da lista foi da Adega Mãe, Terroir Branco 2014, castas Viosinho, Alvarinho e Arinto, fermentado em barris franceses, com boa complexidade e final salgado, volumoso em boca. (Nota da autora: vinho bem bom, que custa mais de 300 reais no Brasil e 39 euros na Europa. Uma afronta! Vianna sentiu compaixão por nós: “Como vocês pagam caro por vinho aqui!”).
Marquesa de Alorna Grande Reserva 2013, da Quinta da Alorna, foi o primeiro tinto. "Um vinho exclusivo, com produção total de 7 mil garrafas. Os produtores não revelam as castas. Tem uma ótima textura, com notas de frutas escuras e especiarias, além dos aromas terciários desenvolvidos durante o envelhecimento, como champignon, couro e terra. Ótimo com carneiro e carnes de caça", orientou. (Nota da autora: não resisti e fui correndo ao estande da importadora para prová-lo outras duas vezes de olhos fechados. Não tive coragem de cuspir no baldinho um vinho que custa quase 500 reais por aqui). 
Scala Coeli Alicante Bouschet 2013, da Fundação Eugênio de Almeida. "A Alicante Bouschet não é uma casta portuguesa - é francesa -, mas os portugueses aprimoraram a produção dessa tintureira (a polpa é escura, ao contrário de outras, como Merlot, Cabernet Sauvignon, com polpas claras). Tem um vermelho intenso, um bom tanino. O segredo desse vinho é a poda curta (evita excesso de brotos e proporciona uma brotação mais uniforme)", explicou. Enquanto tentava adivinhar o aroma, eu me arrisquei a dizer que me lembrou azeitonas pretas, ao que ele replicou: "Isso mesmo! Um aroma salgado e lembra também, como se diz em Português?, tar (piche, em inglês)."
Por último, Moscatel Roxo, da Adega de Pegões. Um vinho fortificado da região de Setúbal, com açúcar residual de 140 gramas por litro e teor alcoólico de 17,5%. O grau de açúcar elevado é compensado pela alta acidez. "Esse vinho foi envelhecido por quatro anos e passou seis meses em contato com as cascas. Parou de fermentar em dois dias", explicou. Ganhou o prêmio de melhor moscatel do mundo numa premiação na França em 2016. (Nota da autora: bem bom mesmo! Numa rápida pesquisa na internet descobri que custa cerca de 20 euros. Aqui no Brasil nem me atrevi a saber).


Mais sobre o evento

O "Vinhos de Portugal" foi realizado nos dois primeiros fins de semana de junho - primeiro no Rio de Janeiro e depois em São Paulo. Estiveram presentes, respectivamente, 79 e 84 produtores, sendo 500 rótulos no primeiro e 600 no segundo para que o público pudesse experimentar.
Nomes importantes do setor, como o enólogo Domingos Soares Franco, da José Maria da Fonseca, criador do rótulo Periquita, e o casal Jorge Serôdio Borges e Sandra Tavares da Silva, da Wine & Soul, estiveram presentes.
O evento foi realizado pelos jornais “Valor Econômico”, “O Globo”, revista “Época”, e o jornal português “Público”.


Números de Portugal: 2017

Produção
6,6 milhões de hectolitros
Volume de exportações
47% (778 milhões de euros)
Fatia no total de exportações do país
1,5%
Produtor mundial
Décimo primeiro
Exportador
Oitavo
Fonte: Instituto da Vinha e do Vinho (IVV)

Os vinhos tomados na prova com Dirceu Vianna Júnior
O mestre e eu