sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

'Safrando' pelo mundo



'Safrando' pelo mundo

Uma ex-aluna do IF de São Roque, um professor e um enólogo de uma premiada vinícola contam aqui como estagiar no exterior ajudou-os a se tornarem profissionais melhores



A ex-aluna do IF Natália Fabrizzi em frente a vinhedo
Uma das etapas mais importantes na formação de um enólogo é a experiência adquirida durante as safras, quando são realizadas as vindimas. É aqui que o estudante ou recém-formado pode aprender como se faz uma boa colheita, além de ter contato com o processo produtivo de derivados da uva. Quem já fez, garante: a experiência faz todo a diferença na formação profissional, representando muitas vezes um divisor de águas. Se for no exterior, em países com mais tradição que o Brasil na produção de vinho, tanto melhor. Mas não importa onde, o importante é fazer as malas e partir. 
Natália Fabrizzi, 25 anos, formou-se na primeira turma de Tecnologia em Viticultura e Enologia (TVE) do Instituto Federal de São Paulo, campus São Roque, em 2015. À época, ela trabalhava como modelo e decidiu fazer o curso “porque o enólogo/viticultor faz um trabalho maravilhoso”.
“Trabalhar em meio à natureza, fazer parte do processo de transformação de uma matéria-prima (a uva) e produzir uma bebida milenar… Isso carrega tanta história! Além do mais, nunca vi uma pessoa ficar triste
A enóloga Natália adorou rodar o mundo
tomando vinho, que tem o propósito de unir as pessoas”, filosofa.
Como sempre gostou de viajar, ela decidiu já no início do curso que queria trabalhar em vinícolas fora do país. Depois de formada, em um ano e meio passou por quatro vindimas distribuídas entre Estados Unidos (Napa Valley), Nova Zelândia e Suíça.
“Acho um privilégio dessa profissão poder estar nos quatro cantos do mundo. Então, por que não explorar?”, conjectura.
Contudo, os caminhos não foram só ladeados de flores. Pesaram a dificuldade com a língua estrangeira e a saudade da família e dos amigos.
Por outro lado, ela enfatiza que ganhou muita experiência e conhecimento, pois aprendeu como se produz vários tipos de vinhos com distintas técnicas de vinificação.
“Poder trabalhar com diferentes profissionais da área de enologia, seja no campo, na adega ou no laboratório possibilita uma troca de experiência profissional que só se ganha expondo-se ao mercado, a diferentes culturas e terroirs”, garante.
Natália diz que trabalhou em toda sorte de vinícolas - familiares e grandes multinacionais -, o que lhe permitiu ter vários pontos de vista do negócio, além de contato com distintos tipos de cepas e equipamentos da mais alta tecnologia.
De todas as experiências vividas, a que mais lhe marcou foi a do Napa Valley. “Foi a primeira experiência que tive trabalhando numa vinícola, então, foi muito especial. Tive a honra de trabalhar com enólogos muito experientes e premiados, com os quais aprendi muito sobre vinificação. Aprendi também a dar valor ao trabalho em equipe e muito valor ao trabalho físico intenso. Trabalha-se muito durante os dias longos da vindima - até 14 horas diárias, sete dias por semana. Portanto, é preciso muito amor pelo trabalho”, salienta.

TCC na França

Quando era aluno do Instituto Federal de Bento Gonçalves (RS), o professor licenciado do IFSP São Roque Willian Triches, 31 anos, fez estágio numa vinícola francesa, mais especificamente em Bordeaux, e utilizou a experiência para fazer seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
“Foi uma grande experiência, com bastante trabalho e somou muito em minha trajetória”, afirma.
O professor Willian Triches durante estágio na França
Ele diz que a escolha do país não foi proposital. “Na verdade, nem a saída do país estava nos meus planos, pois eu estava empregado em uma vinícola brasileira. Mas um amigo fez safra lá, falou-me da possibilidade e me indicou. Daí pensei, pesei os prós e contras e decidi ir”, conta, frisando que a experiência foi um divisor de águas na carreira dele.
Como já tinha experiência trabalhando na área, Willian diz que não teve dificuldades nesse sentido, pois os processos industriais eram parecidos.
“Houve dificuldades com a língua. Meu francês era básico e o enólogo de lá não falava outro idioma. Além disso, a rotina de trabalho era longa e intensa, mas após alguns dias eu estava adaptado.”
Embora essa tenha sido sua única experiência no exterior, Willian sempre motivou os alunos a tomarem esse caminho.
A rotina, segundo Willian, é bastante puxada fora do país
“Apesar de todo conhecimento teórico obtido na academia, a atuação do enólogo é essencial na prática. É fundamental para ele somar experiências. A soma de safras realizadas fornecem confiança ao jovem enólogo. É aí que ele vai se familiarizar com o maquinário de grande porte, conhecer as diferentes filosofias de trabalho”, pontua.
Antes de partir por aí, porém, ele faz recomendações: “Prepare-se para o idioma, perca a timidez e faça contato com as vinícolas que deseja estagiar. Verifique as empresas que fazem mediação de estágios no exterior, além de grupos no Facebook”.
O mais importante, porém, é preparar-se para muito trabalho. “O jovem enólogo deve estar ciente de que o estágio no exterior provavelmente exigirá uma jornada de trabalho intensa, com direito a muito esforço físico”, previne.
Embora ressalte que a experiência no exterior seja importante, o professor reforça que fazer safras pelo Brasil também é essencial. “Se não pode ir para fora, faça aqui. Faça de todo modo.”

Do Chile para o Brasil

Normalmente, a formação de um enólogo no Brasil leva três anos no mínimo, sendo um pouco diferente do que ocorre em outros países, como o Chile. Lá, a formação representa um complemento: primeiro, forma-se em agronomia e, na sequência, dá-se início a um ano de especialização ou dois de mestrado.
Este é o caso de Cristian Sepúlveda, 40 anos, enólogo residente de uma das vinícolas mais importantes do Brasil, a premiada Guaspari, localizada em Espírito Santo do Pinhal (SP).
Cristian fez o caminho inverso: saiu do Chile, país com larga tradição no mercado de vinho, rodou o mundo e aportou no Brasil, para trabalhar na unidade da Miolo na Bahia, onde ficou de 2005 a 2008.
“Vim ao Brasil porque queria buscar novas fronteiras em outros países e o Brasil me deu a oportunidade de ter novos desafios”, conta.
Na Guaspari ele teve a oportunidade de começar tudo do zero anos depois, quando a família dona da empresa decidiu transformar a fazenda usada para descanso num vinhedo. É ele o enólogo responsável pela qualidade das uvas.
De lá para cá, o profissional acredita que as vinícolas brasileiras estão investindo mais. Apesar disso, diz que não dá para comparar seu país de origem e o Brasil. “O Chile tem uma vasta tradição, enquanto que o Brasil está começando a investir, desenvolver novas regiões vitivinícolas, descobrir novos mercados. Poderíamos dizer que o Chile está a 20 anos à frente do Brasil.”
Sobre as dificuldades inerentes à profissão no Brasil, Cristian conta que elas são bastante comuns. “Dificuldades encontramos sempre, especialmente falta de recursos para investir em novas tecnologias e também para fazer acreditarem na qualidade dos vinhos brasileiros.”
Com passagens por países como Estados Unidos e França a trabalho, e visitas a vinhedos da Itália, Espanha, Portugal, África do Sul, Uruguai, Alemanha, Áustria e Tailândia, ele reflete que é preciso sair do plano teórico para o prático.
“Não adianta apenas receber o diploma: é necessário treinar muito, sair fora do país para ver novas regiões. O vinho é um produto mundial, por isso um enólogo deve sempre conhecer o que está acontecendo de novo em outros regiões, fazer vindimas, principalmente na Europa, mas também no novo mundo, como Chile, Argentina, África do Sul e Austrália”, aconselha.

Animou-se? Então, vença o medo e aproveite as épocas de colheita, seja nas vinícolas daqui ou do exterior. Boa vindima para seu futuro profissional!