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Fonte: viannawine.com |
Dirceu Vianna
Júnior é o único brasileiro a deter o título de Mestre do Vinho (Master of Wine) do mundo. Radicado em Londres há quase 30
anos, ele conta nesta entrevista exclusiva por e-mail ao Taninos e Afins sobre a sua trajetória no
mundo do vinho, o que pensa sobre o mercado brasileiro e as características que
um bom enólogo deve ter.
Por Adriana Cardoso
Demorou ao menos uns três meses para que Dirceu
Vianna Júnior, ocupado que só ele, respondesse às perguntas enviadas por e-mail
pelo Taninos e Afins. Dois dias antes de mandar as respostas, ele enviou
um e-mail pedindo desculpas pela demora e perguntando se ainda poderia respondê-las.
Obviamente, eu disse que sim, afinal, não é todo dia que temos a oportunidade
de saber um pouco mais sobre uma das principais referências do mercado de
vinho no mundo, ainda que esteja um pouco distante do Brasil. Não sem certa razão,
Vianna acredita que carece aos vitivinicultores brasileiros ouvir mais quem domina
a arte do vinho. “Falta mais
intercâmbio de conhecimento com profissionais de alto nível”, opina.
Confira a entrevista abaixo:
Taninos e Afins - Antes de ir para Londres, você estudava Engenharia
Florestal e Direito. Chegou a concluir esses cursos?
Dirceu Vianna Júnior - No Brasil, não. Eu estudei Hotelaria no Westminster College, em
Londres, e concluí o curso na década de 1990.
TA - Falando
em Londres, por que foi para lá? Em que ano isso aconteceu?
DVJ - Eu cheguei a Londres no início de agosto
de 1989. Foi uma aventura, eu vim apenas para visitar a cidade e acabei
ficando.
TA - Você começou a se
interessar pelo vinho quando foi gerente de um restaurante na capital inglesa,
certo? A partir daí, como foi seu caminho até o Master of Wine?
DVJ - Correto.
Inicialmente fui em busca de informações, pois tinha a responsabilidade de
elaborar a carta de vinhos do restaurante onde trabalhava como gerente e não
possuía o conhecimento necessário. Fiz os cursos na Wine & Spirits Education Trust até o nível quatro. Alguns anos
mais tarde, quando já sabia que trabalhar com vinhos seria a minha profissão, pensei
qual seria o nível mais alto de conhecimento que eu poderia obter. Então decidi
iniciar o curso de Master of Wine.
TA - O que sabia sobre vinho
antes de trabalhar com isso?
DVJ - Praticamente
nada.
TA - Como foi sua rotina de
estudos para a prova?
DVJ - Para
me preparar, eu estudava diariamente das 6 da manhã até as 9 horas e, durante a
noite, das 8 às 11 horas. Nos fins de semana, seguidamente estudava mais de dez
horas no sábado e, também, no domingo. Além disso, fui trabalhar em vinhedos e
adegas em várias partes do mundo.
TA
- Li que você foi reprovado antes de ser aprovado em 2008.
DVJ - Sim, várias
vezes. Não é fácil fazer uma prova desse nível escrevendo em uma língua
que não é sua língua materna.
TA - O que aconteceu com a
sua vida logo após ter obtido o título?
DVJ - Pensei
que as coisas iriam ficar mais tranquilas e teria mais tempo, mas parece que as
coisas aceleraram. Hoje os dias, meses e anos passam voando…
TA – Você costuma criticar a
figura do ‘enochato’. Quem é essa pessoa e quais os impactos que ela traz ao
mercado do vinho?
DVJ - O ‘enochato’ é
aquela figura que usa o pouco conhecimento que tem para se exaltar, intimidar e
assustar as pessoas em vez de informar, ajudar e guiá-las para que
possam iniciar sua caminhada e aprender sobre os prazeres do vinho. Usa
conceitos mais obscuros e, muitas vezes, irrelevantes, além de terminologia difícil
no meio de pessoas que não entendem do assunto. Podia continuar a descrever
essa criatura, mas vou parar.
TA - De tudo o que você vem
acompanhando no mercado do vinho, o que você destacaria como próximas
tendências, seja no tipo de bebida ou processos produtivos?
DVJ - Na
viticultura, falta de mão de obra e uso de robótica. Na produção, melhor
conhecimento sobre fermentação malolática (transformar
o ácido málico em ácido lático) e o que pode ser feito para moldar o estilo
e melhorar a qualidade do produto final. Na gastronomia, melhor conhecimento
científico e molecular para ajudar nas harmonizações. Ainda, estilos de vinho com
mais frescor, menos álcool e, também, melhor apreciação de vinhos com um toque
de açúcar residual. No comércio, mais vendas de bebidas alcoólicas online. Na
China, já chegam a US$ 6,1 bilhões e continuam crescendo.
TA - Existe alguma região
produtora fora do circuito conhecido que lhe tem surpreendido positivamente?
DVJ - Sim, a
Croácia.
TA - Muita gente
acredita que vinho bom é vinho caro. No caso do Brasil, seria acima de uns 50
reais. Dá para tomar vinho bom e barato?
DVJ - Depende
da definição do que é um vinho bom. Na minha definição, não, mas se estiver em
busca de um vinho bem feito, adequado, sem defeitos, acredito que sim,
mas é preciso procurar.
TA - Você já chamou a
atenção algumas vezes para o fato de que produtores brasileiros não estão
muito dispostos a ouvir. Por outro lado, há vinícolas brasileiras, como a
Guaspari, que vem produzindo vinhos premiados no exterior. De quando você saiu
para hoje, qual é a sua percepção do mercado brasileiro? O vinho
nacional está mais respeitado fora do Brasil?
DVJ - Acredito
que a qualidade do vinho brasileiro vem evoluindo, mas esse desenvolvimento parece-me
devagar. Falta mais intercâmbio de conhecimento com profissionais de alto nível.
Muitas pessoas em várias partes do mundo já tiveram contato com vinhos
brasileiros, talvez por curiosidade. Agora, dizer que é um produto respeitado,
acredito que esteja longe disso. Ainda é necessário muito mais trabalho.
TA - Quando não está a
serviço, você bebe vinho? E outras bebidas?
DVJ - Eu
tento não beber durante os dias de semana, mas no fim de semana, certamente.
Dependendo da parte do mundo onde estou e do clima, também gosto de uma cerveja
gelada.
TA – Quais as principais
características que um bom enólogo deve ter?
DVJ - Curiosidade,
atenção aos pequenos detalhes e humildade.
TA - Que tipo de conselho
você daria para um estudante de enologia?
DVJ - Nunca
tenha medo de fazer perguntas, viaje o mais que puder, seja humilde e curta
todos os momentos, pois o caminho é longo e essa viagem não tem
fim.
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