domingo, 23 de setembro de 2018

“Acredito que a qualidade do vinho brasileiro vem evoluindo"

Fonte: viannawine.com


Dirceu Vianna Júnior é o único brasileiro a deter o título de Mestre do Vinho (Master of Wine) do mundo. Radicado em Londres há quase 30 anos, ele conta nesta entrevista exclusiva por e-mail ao Taninos e Afins sobre a sua trajetória no mundo do vinho, o que pensa sobre o mercado brasileiro e as características que um bom enólogo deve ter.

Por Adriana Cardoso

Demorou ao menos uns três meses para que Dirceu Vianna Júnior, ocupado que só ele, respondesse às perguntas enviadas por e-mail pelo Taninos e Afins. Dois dias antes de mandar as respostas, ele enviou um e-mail pedindo desculpas pela demora e perguntando se ainda poderia respondê-las. Obviamente, eu disse que sim, afinal, não é todo dia que temos a oportunidade de saber um pouco mais sobre uma das principais referências do mercado de vinho no mundo, ainda que esteja um pouco distante do Brasil. Não sem certa razão, Vianna acredita que carece aos vitivinicultores brasileiros ouvir mais quem domina a arte do vinho. “Falta mais intercâmbio de conhecimento com profissionais de alto nível”, opina.
Confira a entrevista abaixo:

Taninos e Afins - Antes de ir para Londres, você estudava Engenharia Florestal e Direito. Chegou a concluir esses cursos? 
Dirceu Vianna Júnior - No Brasil, não. Eu estudei Hotelaria no Westminster College, em Londres, e concluí o curso na década de 1990.

TA - Falando em Londres, por que foi para lá? Em que ano isso aconteceu?
DVJ - Eu cheguei a Londres no início de agosto de 1989. Foi uma aventura, eu vim apenas para visitar a cidade e acabei ficando.

TA - Você começou a se interessar pelo vinho quando foi gerente de um restaurante na capital inglesa, certo? A partir daí, como foi seu caminho até o Master of Wine?
DVJ - Correto. Inicialmente fui em busca de informações, pois tinha a responsabilidade de elaborar a carta de vinhos do restaurante onde trabalhava como gerente e não possuía o conhecimento necessário. Fiz os cursos na Wine & Spirits Education Trust até o nível quatro. Alguns anos mais tarde, quando já sabia que trabalhar com vinhos seria a minha profissão, pensei qual seria o nível mais alto de conhecimento que eu poderia obter. Então decidi iniciar o curso de Master of Wine.

TA - O que sabia sobre vinho antes de trabalhar com isso?
DVJ - Praticamente nada.

TA - Como foi sua rotina de estudos para a prova? 
DVJ - Para me preparar, eu estudava diariamente das 6 da manhã até as 9 horas e, durante a noite, das 8 às 11 horas. Nos fins de semana, seguidamente estudava mais de dez horas no sábado e, também, no domingo. Além disso, fui trabalhar em vinhedos e adegas em várias partes do mundo. 

 TA - Li que você foi reprovado antes de ser aprovado em 2008.
DVJ - Sim, várias vezes. Não é fácil fazer uma prova desse nível escrevendo em uma língua que não é sua língua materna.

TA - O que aconteceu com a sua vida logo após ter obtido o título?
DVJ - Pensei que as coisas iriam ficar mais tranquilas e teria mais tempo, mas parece que as coisas aceleraram. Hoje os dias, meses e anos passam voando…

TA – Você costuma criticar a figura do ‘enochato’. Quem é essa pessoa e quais os impactos que ela traz ao mercado do vinho?
DVJ - O ‘enochato’ é aquela figura que usa o pouco conhecimento que tem para se exaltar, intimidar e assustar as pessoas em vez de informar, ajudar e guiá-las para que possam iniciar sua caminhada e aprender sobre os prazeres do vinho. Usa conceitos mais obscuros e, muitas vezes, irrelevantes, além de terminologia difícil no meio de pessoas que não entendem do assunto. Podia continuar a descrever essa criatura, mas vou parar.

TA - De tudo o que você vem acompanhando no mercado do vinho, o que você destacaria como próximas tendências, seja no tipo de bebida ou processos produtivos?
DVJ - Na viticultura, falta de mão de obra e uso de robótica. Na produção, melhor conhecimento sobre fermentação malolática (transformar o ácido málico em ácido lático) e o que pode ser feito para moldar o estilo e melhorar a qualidade do produto final. Na gastronomia, melhor conhecimento científico e molecular para ajudar nas harmonizações. Ainda, estilos de vinho com mais frescor, menos álcool e, também, melhor apreciação de vinhos com um toque de açúcar residual. No comércio, mais vendas de bebidas alcoólicas online. Na China, já chegam a US$ 6,1 bilhões e continuam crescendo.

TA - Existe alguma região produtora fora do circuito conhecido que lhe tem surpreendido positivamente?
DVJ - Sim, a Croácia.

TA - Muita gente acredita que vinho bom é vinho caro. No caso do Brasil, seria acima de uns 50 reais. Dá para tomar vinho bom e barato?
DVJ - Depende da definição do que é um vinho bom. Na minha definição, não, mas se estiver em busca de um vinho bem feito, adequado, sem defeitos, acredito que sim, mas é preciso procurar.

TA - Você já chamou a atenção algumas vezes para o fato de que produtores brasileiros não estão muito dispostos a ouvir. Por outro lado, há vinícolas brasileiras, como a Guaspari, que vem produzindo vinhos premiados no exterior. De quando você saiu para hoje, qual é a sua percepção do mercado brasileiro? O vinho nacional está mais respeitado fora do Brasil?
DVJ - Acredito que a qualidade do vinho brasileiro vem evoluindo, mas esse desenvolvimento parece-me devagar. Falta mais intercâmbio de conhecimento com profissionais de alto nível. Muitas pessoas em várias partes do mundo já tiveram contato com vinhos brasileiros, talvez por curiosidade. Agora, dizer que é um produto respeitado, acredito que esteja longe disso. Ainda é necessário muito mais trabalho.

TA - Quando não está a serviço, você bebe vinho? E outras bebidas?
DVJ - Eu tento não beber durante os dias de semana, mas no fim de semana, certamente. Dependendo da parte do mundo onde estou e do clima, também gosto de uma cerveja gelada.

TA – Quais as principais características que um bom enólogo deve ter?
DVJ - Curiosidade, atenção aos pequenos detalhes e humildade.

TA - Que tipo de conselho você daria para um estudante de enologia?
DVJ - Nunca tenha medo de fazer perguntas, viaje o mais que puder, seja humilde e curta todos os momentos, pois o caminho é longo e essa viagem não tem fim.  




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