sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

'Safrando' pelo mundo



'Safrando' pelo mundo

Uma ex-aluna do IF de São Roque, um professor e um enólogo de uma premiada vinícola contam aqui como estagiar no exterior ajudou-os a se tornarem profissionais melhores



A ex-aluna do IF Natália Fabrizzi em frente a vinhedo
Uma das etapas mais importantes na formação de um enólogo é a experiência adquirida durante as safras, quando são realizadas as vindimas. É aqui que o estudante ou recém-formado pode aprender como se faz uma boa colheita, além de ter contato com o processo produtivo de derivados da uva. Quem já fez, garante: a experiência faz todo a diferença na formação profissional, representando muitas vezes um divisor de águas. Se for no exterior, em países com mais tradição que o Brasil na produção de vinho, tanto melhor. Mas não importa onde, o importante é fazer as malas e partir. 
Natália Fabrizzi, 25 anos, formou-se na primeira turma de Tecnologia em Viticultura e Enologia (TVE) do Instituto Federal de São Paulo, campus São Roque, em 2015. À época, ela trabalhava como modelo e decidiu fazer o curso “porque o enólogo/viticultor faz um trabalho maravilhoso”.
“Trabalhar em meio à natureza, fazer parte do processo de transformação de uma matéria-prima (a uva) e produzir uma bebida milenar… Isso carrega tanta história! Além do mais, nunca vi uma pessoa ficar triste
A enóloga Natália adorou rodar o mundo
tomando vinho, que tem o propósito de unir as pessoas”, filosofa.
Como sempre gostou de viajar, ela decidiu já no início do curso que queria trabalhar em vinícolas fora do país. Depois de formada, em um ano e meio passou por quatro vindimas distribuídas entre Estados Unidos (Napa Valley), Nova Zelândia e Suíça.
“Acho um privilégio dessa profissão poder estar nos quatro cantos do mundo. Então, por que não explorar?”, conjectura.
Contudo, os caminhos não foram só ladeados de flores. Pesaram a dificuldade com a língua estrangeira e a saudade da família e dos amigos.
Por outro lado, ela enfatiza que ganhou muita experiência e conhecimento, pois aprendeu como se produz vários tipos de vinhos com distintas técnicas de vinificação.
“Poder trabalhar com diferentes profissionais da área de enologia, seja no campo, na adega ou no laboratório possibilita uma troca de experiência profissional que só se ganha expondo-se ao mercado, a diferentes culturas e terroirs”, garante.
Natália diz que trabalhou em toda sorte de vinícolas - familiares e grandes multinacionais -, o que lhe permitiu ter vários pontos de vista do negócio, além de contato com distintos tipos de cepas e equipamentos da mais alta tecnologia.
De todas as experiências vividas, a que mais lhe marcou foi a do Napa Valley. “Foi a primeira experiência que tive trabalhando numa vinícola, então, foi muito especial. Tive a honra de trabalhar com enólogos muito experientes e premiados, com os quais aprendi muito sobre vinificação. Aprendi também a dar valor ao trabalho em equipe e muito valor ao trabalho físico intenso. Trabalha-se muito durante os dias longos da vindima - até 14 horas diárias, sete dias por semana. Portanto, é preciso muito amor pelo trabalho”, salienta.

TCC na França

Quando era aluno do Instituto Federal de Bento Gonçalves (RS), o professor licenciado do IFSP São Roque Willian Triches, 31 anos, fez estágio numa vinícola francesa, mais especificamente em Bordeaux, e utilizou a experiência para fazer seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
“Foi uma grande experiência, com bastante trabalho e somou muito em minha trajetória”, afirma.
O professor Willian Triches durante estágio na França
Ele diz que a escolha do país não foi proposital. “Na verdade, nem a saída do país estava nos meus planos, pois eu estava empregado em uma vinícola brasileira. Mas um amigo fez safra lá, falou-me da possibilidade e me indicou. Daí pensei, pesei os prós e contras e decidi ir”, conta, frisando que a experiência foi um divisor de águas na carreira dele.
Como já tinha experiência trabalhando na área, Willian diz que não teve dificuldades nesse sentido, pois os processos industriais eram parecidos.
“Houve dificuldades com a língua. Meu francês era básico e o enólogo de lá não falava outro idioma. Além disso, a rotina de trabalho era longa e intensa, mas após alguns dias eu estava adaptado.”
Embora essa tenha sido sua única experiência no exterior, Willian sempre motivou os alunos a tomarem esse caminho.
A rotina, segundo Willian, é bastante puxada fora do país
“Apesar de todo conhecimento teórico obtido na academia, a atuação do enólogo é essencial na prática. É fundamental para ele somar experiências. A soma de safras realizadas fornecem confiança ao jovem enólogo. É aí que ele vai se familiarizar com o maquinário de grande porte, conhecer as diferentes filosofias de trabalho”, pontua.
Antes de partir por aí, porém, ele faz recomendações: “Prepare-se para o idioma, perca a timidez e faça contato com as vinícolas que deseja estagiar. Verifique as empresas que fazem mediação de estágios no exterior, além de grupos no Facebook”.
O mais importante, porém, é preparar-se para muito trabalho. “O jovem enólogo deve estar ciente de que o estágio no exterior provavelmente exigirá uma jornada de trabalho intensa, com direito a muito esforço físico”, previne.
Embora ressalte que a experiência no exterior seja importante, o professor reforça que fazer safras pelo Brasil também é essencial. “Se não pode ir para fora, faça aqui. Faça de todo modo.”

Do Chile para o Brasil

Normalmente, a formação de um enólogo no Brasil leva três anos no mínimo, sendo um pouco diferente do que ocorre em outros países, como o Chile. Lá, a formação representa um complemento: primeiro, forma-se em agronomia e, na sequência, dá-se início a um ano de especialização ou dois de mestrado.
Este é o caso de Cristian Sepúlveda, 40 anos, enólogo residente de uma das vinícolas mais importantes do Brasil, a premiada Guaspari, localizada em Espírito Santo do Pinhal (SP).
Cristian fez o caminho inverso: saiu do Chile, país com larga tradição no mercado de vinho, rodou o mundo e aportou no Brasil, para trabalhar na unidade da Miolo na Bahia, onde ficou de 2005 a 2008.
“Vim ao Brasil porque queria buscar novas fronteiras em outros países e o Brasil me deu a oportunidade de ter novos desafios”, conta.
Na Guaspari ele teve a oportunidade de começar tudo do zero anos depois, quando a família dona da empresa decidiu transformar a fazenda usada para descanso num vinhedo. É ele o enólogo responsável pela qualidade das uvas.
De lá para cá, o profissional acredita que as vinícolas brasileiras estão investindo mais. Apesar disso, diz que não dá para comparar seu país de origem e o Brasil. “O Chile tem uma vasta tradição, enquanto que o Brasil está começando a investir, desenvolver novas regiões vitivinícolas, descobrir novos mercados. Poderíamos dizer que o Chile está a 20 anos à frente do Brasil.”
Sobre as dificuldades inerentes à profissão no Brasil, Cristian conta que elas são bastante comuns. “Dificuldades encontramos sempre, especialmente falta de recursos para investir em novas tecnologias e também para fazer acreditarem na qualidade dos vinhos brasileiros.”
Com passagens por países como Estados Unidos e França a trabalho, e visitas a vinhedos da Itália, Espanha, Portugal, África do Sul, Uruguai, Alemanha, Áustria e Tailândia, ele reflete que é preciso sair do plano teórico para o prático.
“Não adianta apenas receber o diploma: é necessário treinar muito, sair fora do país para ver novas regiões. O vinho é um produto mundial, por isso um enólogo deve sempre conhecer o que está acontecendo de novo em outros regiões, fazer vindimas, principalmente na Europa, mas também no novo mundo, como Chile, Argentina, África do Sul e Austrália”, aconselha.

Animou-se? Então, vença o medo e aproveite as épocas de colheita, seja nas vinícolas daqui ou do exterior. Boa vindima para seu futuro profissional!

domingo, 23 de setembro de 2018

“Acredito que a qualidade do vinho brasileiro vem evoluindo"

Fonte: viannawine.com


Dirceu Vianna Júnior é o único brasileiro a deter o título de Mestre do Vinho (Master of Wine) do mundo. Radicado em Londres há quase 30 anos, ele conta nesta entrevista exclusiva por e-mail ao Taninos e Afins sobre a sua trajetória no mundo do vinho, o que pensa sobre o mercado brasileiro e as características que um bom enólogo deve ter.

Por Adriana Cardoso

Demorou ao menos uns três meses para que Dirceu Vianna Júnior, ocupado que só ele, respondesse às perguntas enviadas por e-mail pelo Taninos e Afins. Dois dias antes de mandar as respostas, ele enviou um e-mail pedindo desculpas pela demora e perguntando se ainda poderia respondê-las. Obviamente, eu disse que sim, afinal, não é todo dia que temos a oportunidade de saber um pouco mais sobre uma das principais referências do mercado de vinho no mundo, ainda que esteja um pouco distante do Brasil. Não sem certa razão, Vianna acredita que carece aos vitivinicultores brasileiros ouvir mais quem domina a arte do vinho. “Falta mais intercâmbio de conhecimento com profissionais de alto nível”, opina.
Confira a entrevista abaixo:

Taninos e Afins - Antes de ir para Londres, você estudava Engenharia Florestal e Direito. Chegou a concluir esses cursos? 
Dirceu Vianna Júnior - No Brasil, não. Eu estudei Hotelaria no Westminster College, em Londres, e concluí o curso na década de 1990.

TA - Falando em Londres, por que foi para lá? Em que ano isso aconteceu?
DVJ - Eu cheguei a Londres no início de agosto de 1989. Foi uma aventura, eu vim apenas para visitar a cidade e acabei ficando.

TA - Você começou a se interessar pelo vinho quando foi gerente de um restaurante na capital inglesa, certo? A partir daí, como foi seu caminho até o Master of Wine?
DVJ - Correto. Inicialmente fui em busca de informações, pois tinha a responsabilidade de elaborar a carta de vinhos do restaurante onde trabalhava como gerente e não possuía o conhecimento necessário. Fiz os cursos na Wine & Spirits Education Trust até o nível quatro. Alguns anos mais tarde, quando já sabia que trabalhar com vinhos seria a minha profissão, pensei qual seria o nível mais alto de conhecimento que eu poderia obter. Então decidi iniciar o curso de Master of Wine.

TA - O que sabia sobre vinho antes de trabalhar com isso?
DVJ - Praticamente nada.

TA - Como foi sua rotina de estudos para a prova? 
DVJ - Para me preparar, eu estudava diariamente das 6 da manhã até as 9 horas e, durante a noite, das 8 às 11 horas. Nos fins de semana, seguidamente estudava mais de dez horas no sábado e, também, no domingo. Além disso, fui trabalhar em vinhedos e adegas em várias partes do mundo. 

 TA - Li que você foi reprovado antes de ser aprovado em 2008.
DVJ - Sim, várias vezes. Não é fácil fazer uma prova desse nível escrevendo em uma língua que não é sua língua materna.

TA - O que aconteceu com a sua vida logo após ter obtido o título?
DVJ - Pensei que as coisas iriam ficar mais tranquilas e teria mais tempo, mas parece que as coisas aceleraram. Hoje os dias, meses e anos passam voando…

TA – Você costuma criticar a figura do ‘enochato’. Quem é essa pessoa e quais os impactos que ela traz ao mercado do vinho?
DVJ - O ‘enochato’ é aquela figura que usa o pouco conhecimento que tem para se exaltar, intimidar e assustar as pessoas em vez de informar, ajudar e guiá-las para que possam iniciar sua caminhada e aprender sobre os prazeres do vinho. Usa conceitos mais obscuros e, muitas vezes, irrelevantes, além de terminologia difícil no meio de pessoas que não entendem do assunto. Podia continuar a descrever essa criatura, mas vou parar.

TA - De tudo o que você vem acompanhando no mercado do vinho, o que você destacaria como próximas tendências, seja no tipo de bebida ou processos produtivos?
DVJ - Na viticultura, falta de mão de obra e uso de robótica. Na produção, melhor conhecimento sobre fermentação malolática (transformar o ácido málico em ácido lático) e o que pode ser feito para moldar o estilo e melhorar a qualidade do produto final. Na gastronomia, melhor conhecimento científico e molecular para ajudar nas harmonizações. Ainda, estilos de vinho com mais frescor, menos álcool e, também, melhor apreciação de vinhos com um toque de açúcar residual. No comércio, mais vendas de bebidas alcoólicas online. Na China, já chegam a US$ 6,1 bilhões e continuam crescendo.

TA - Existe alguma região produtora fora do circuito conhecido que lhe tem surpreendido positivamente?
DVJ - Sim, a Croácia.

TA - Muita gente acredita que vinho bom é vinho caro. No caso do Brasil, seria acima de uns 50 reais. Dá para tomar vinho bom e barato?
DVJ - Depende da definição do que é um vinho bom. Na minha definição, não, mas se estiver em busca de um vinho bem feito, adequado, sem defeitos, acredito que sim, mas é preciso procurar.

TA - Você já chamou a atenção algumas vezes para o fato de que produtores brasileiros não estão muito dispostos a ouvir. Por outro lado, há vinícolas brasileiras, como a Guaspari, que vem produzindo vinhos premiados no exterior. De quando você saiu para hoje, qual é a sua percepção do mercado brasileiro? O vinho nacional está mais respeitado fora do Brasil?
DVJ - Acredito que a qualidade do vinho brasileiro vem evoluindo, mas esse desenvolvimento parece-me devagar. Falta mais intercâmbio de conhecimento com profissionais de alto nível. Muitas pessoas em várias partes do mundo já tiveram contato com vinhos brasileiros, talvez por curiosidade. Agora, dizer que é um produto respeitado, acredito que esteja longe disso. Ainda é necessário muito mais trabalho.

TA - Quando não está a serviço, você bebe vinho? E outras bebidas?
DVJ - Eu tento não beber durante os dias de semana, mas no fim de semana, certamente. Dependendo da parte do mundo onde estou e do clima, também gosto de uma cerveja gelada.

TA – Quais as principais características que um bom enólogo deve ter?
DVJ - Curiosidade, atenção aos pequenos detalhes e humildade.

TA - Que tipo de conselho você daria para um estudante de enologia?
DVJ - Nunca tenha medo de fazer perguntas, viaje o mais que puder, seja humilde e curta todos os momentos, pois o caminho é longo e essa viagem não tem fim.  




segunda-feira, 11 de junho de 2018




Um passeio por Portugal com o único Master of Wine do Brasil 

Público aproveita para degustar vários dos melhores rótulos portugueses

O blog participou de uma prova de degustação com Dirceu Vianna Júnior, detentor do cobiçado título de mestre dos vinhos, no evento “Vinhos de Portugal”, realizado no último fim de semana em São Paulo


Por Adriana Cardoso

"Há uma história cheia de regras para o vinho, o que assusta as pessoas. Eu procuro simplificar." O paranaense Dirceu Vianna Junior, radicado em Londres há quase 30 anos, é um bálsamo num universo tão glamourizado e cercado de enochatos, como ele mesmo destacou em algumas entrevistas, que colocam o vinho num pedestal muito alto e inalcançável para a maioria dos comuns mortais. Ele, ao contrário, quer aproximar o vinho das pessoas (ou vice-versa), desmistificando-o.
Tive o privilégio de participar da prova “Portugal, uma viagem pela diversidade” (privilégio, apesar do preço salgado do ingresso) no último fim de semana, durante o evento "Vinhos de Portugal", no Shopping JK Iguatemi, na zona sul da capital paulista. Além de ter saído com a sensação de que tenho ainda uma longuíssima estrada a percorrer no mundo da enologia, tive a impressão de que Vianna, ao contrário dos enochatos, é um cara muito gente boa e humilde. E justo ele, que tem currículo invejável para se achar o tal.
Único brasileiro a deter o difícil título de Mestre dos Vinhos ou Master of Wine, em inglês (quem assistiu ao documentário “Somm”, na Netflix, entende o que digo), o enólogo nos levou, durante uma hora, por um passeio pelas regiões produtoras de Portugal, e selecionou para a prova aqueles que ele considerou entre os melhores vinhos levados por produtores, representantes e importadores ao evento. A seleção sintetizava um pouco uma história de mais de 4 mil anos do setor vitivinicultor português, como ele enfatizou.
"Vocês vão sentir uma diversidade muito grande, que na verdade é uma mescla de clima, solo, altitude, história, cultura e fator humano", disse.
Vianna destacou os diferentes tipos de solos no pequeno país (areia, granito, xisto e argila), com extensão territorial similar ao estado de Santa Catarina (pouco mais de 92 km2); a influência Atlântica, Continental e Mediterrânea, com temperaturas médias de 10,5 ao Norte e 17 graus Celsius ao Sul; e a altitude dos vinhedos, que vão de zero a 700 metros e voltados a faces variadas, beneficiando-se desse amálgama climático.
O resultado de tamanha heterogeneidade é o grande tesouro português: a variedade de castas. Segundo ele, Portugal ganha da Itália em número de varietais nativas por densidade plantada. São ao menos 250 no total, pelos números apresentados por ele. Vale frisar "por densidade", uma vez que o país em formato de bota é o líder.
"Todas as vezes que vou a Portugal, e vou muito, sou surpreendido com uma nova descoberta. Vocês já ouviram falar na uva Tamares? Há muitas castas indígenas esquecidas que estão sendo redescobertas", conta ele, que está fazendo um trabalho de pesquisas a pedido do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), com a ajuda de enólogos portugueses. "Estamos avaliando o potencial de vinificação dessas castas", contou.

 Autenticidade
Apesar de a ditadura Salazarista (de António de Oliveira Salazar – 1932 a 1968) ter fechado o país por muitos anos, ao menos serviu para Portugal preservar as suas tradições no setor vitivinicultor. Abraçar o tradicional, contudo, não impediu que o país flertasse com a tecnologia, nas palavras do especialista.
"Temos Domingos Alves de Souza (premiado produtor da região do Douro) e o filho dele, Tiago Alves de Souza, também enólogo premiado. Esse é o fator humano de que falei, o sangue novo, uma mescla de pessoas experientes com gente nova, que não têm medo de aceitar a tecnologia", elogiou.
Nesse aspecto, ele passou uma reprimenda nos produtores brasileiros. "Os portugueses são mais abertos ao intercâmbio cultural. Quando produzem algo novo, buscam uma opinião diferente. Isso não acontece no Brasil. Os produtores brasileiros estão muito fechados, não estão dispostos a ouvir. Falta um pouco de humildade ", criticou.

Vinhos verdes
Sobre os vinhos verdes, que se tornaram a marca de Portugal, Vianna chamou a atenção para o fato de que é errado pensar que esse estilo de vinho é somente jovem.
"Há vinhos com mais de 15 anos de idade, muito bons. Por isso, é errado pensar que os vinhos verdes não envelhecem", assegurou, antecipando novidades: "Eu lhes garanto que veremos mais vinhos verdes varietais (quando predomina uma casta) como Avesso, Azal num futuro não muito distante."
Outra tendência que já vem sendo testada por vitivinicultores portugueses é o envelhecimento de vinhos verdes em barris de madeira velha, de 400 litros, pois impactam menos na característica final do produto.

Vamos à prova!
O primeiro gole foi do Espumante Reserva Marques de Marialva 2014, da Adega de Cantanhede, considerada o melhor produtor de 2013 em Portugal. Em tom confessional, o mestre dos vinhos nos disse: "Portugal não é o país dos espumantes, mas tem bons. A paciência influi na qualidade, que precisa de um descanso mínimo de 12 meses".
Ao primeiro gole, ele nos ensinou: "Aprendi isso quando fiz a prova do Master of Wine: o PH da boca de manhã não é adequado. Sempre nos dá uma percepção distorcida do vinho. Recomendo que vocês sempre provem mais à tarde". Era pouco mais de meio-dia. E continuou: "Esse espumante (cortes Bical e Arinto) descansou 24 meses, tem cinco gramas de açúcar residual e pode ser servido como aperitivo ou com um salmão defumado. Tem boa complexidade, lembrando pão torrado e brioches".
Na sequência, provamos um vinho verde varietal Alvarinho 2016, do premiado João Portugal Ramos, feito com maceração pré-fermentativa a baixa temperatura e fermentação controlada a 16 graus. Cor citrina, aromas cítricos, florais e frutos tropicais. Muito leve e refrescante.
O terceiro da lista foi da Adega Mãe, Terroir Branco 2014, castas Viosinho, Alvarinho e Arinto, fermentado em barris franceses, com boa complexidade e final salgado, volumoso em boca. (Nota da autora: vinho bem bom, que custa mais de 300 reais no Brasil e 39 euros na Europa. Uma afronta! Vianna sentiu compaixão por nós: “Como vocês pagam caro por vinho aqui!”).
Marquesa de Alorna Grande Reserva 2013, da Quinta da Alorna, foi o primeiro tinto. "Um vinho exclusivo, com produção total de 7 mil garrafas. Os produtores não revelam as castas. Tem uma ótima textura, com notas de frutas escuras e especiarias, além dos aromas terciários desenvolvidos durante o envelhecimento, como champignon, couro e terra. Ótimo com carneiro e carnes de caça", orientou. (Nota da autora: não resisti e fui correndo ao estande da importadora para prová-lo outras duas vezes de olhos fechados. Não tive coragem de cuspir no baldinho um vinho que custa quase 500 reais por aqui). 
Scala Coeli Alicante Bouschet 2013, da Fundação Eugênio de Almeida. "A Alicante Bouschet não é uma casta portuguesa - é francesa -, mas os portugueses aprimoraram a produção dessa tintureira (a polpa é escura, ao contrário de outras, como Merlot, Cabernet Sauvignon, com polpas claras). Tem um vermelho intenso, um bom tanino. O segredo desse vinho é a poda curta (evita excesso de brotos e proporciona uma brotação mais uniforme)", explicou. Enquanto tentava adivinhar o aroma, eu me arrisquei a dizer que me lembrou azeitonas pretas, ao que ele replicou: "Isso mesmo! Um aroma salgado e lembra também, como se diz em Português?, tar (piche, em inglês)."
Por último, Moscatel Roxo, da Adega de Pegões. Um vinho fortificado da região de Setúbal, com açúcar residual de 140 gramas por litro e teor alcoólico de 17,5%. O grau de açúcar elevado é compensado pela alta acidez. "Esse vinho foi envelhecido por quatro anos e passou seis meses em contato com as cascas. Parou de fermentar em dois dias", explicou. Ganhou o prêmio de melhor moscatel do mundo numa premiação na França em 2016. (Nota da autora: bem bom mesmo! Numa rápida pesquisa na internet descobri que custa cerca de 20 euros. Aqui no Brasil nem me atrevi a saber).


Mais sobre o evento

O "Vinhos de Portugal" foi realizado nos dois primeiros fins de semana de junho - primeiro no Rio de Janeiro e depois em São Paulo. Estiveram presentes, respectivamente, 79 e 84 produtores, sendo 500 rótulos no primeiro e 600 no segundo para que o público pudesse experimentar.
Nomes importantes do setor, como o enólogo Domingos Soares Franco, da José Maria da Fonseca, criador do rótulo Periquita, e o casal Jorge Serôdio Borges e Sandra Tavares da Silva, da Wine & Soul, estiveram presentes.
O evento foi realizado pelos jornais “Valor Econômico”, “O Globo”, revista “Época”, e o jornal português “Público”.


Números de Portugal: 2017

Produção
6,6 milhões de hectolitros
Volume de exportações
47% (778 milhões de euros)
Fatia no total de exportações do país
1,5%
Produtor mundial
Décimo primeiro
Exportador
Oitavo
Fonte: Instituto da Vinha e do Vinho (IVV)

Os vinhos tomados na prova com Dirceu Vianna Júnior
O mestre e eu

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Ex-aluno de TVE ingressa em mestrado na USP


Egresso da turma de 2017, Lucas Bueno do Amaral fará estudo sobre uva Syrah de duas regiões do estado de São Paulo


 

Um ciclo que começou no câmpus de São Roque do Instituto Federal de São Paulo e, agora, desemboca na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), uma das mais prestigiosas do país. Ex-aluno do curso de Tecnologia em Viticultura e Enologia (TVE), Lucas Bueno do Amaral, 21 anos, dará continuidade, no mestrado, a um estudo iniciado no IF na área de aromas.

Sob o título “Estudo da composição volátil, química e sensorial dos vinhos da variedade Syrah de duas regiões de diferentes terroirs do Sudeste brasileiro, elaborados em ciclo de inverno”, o tema teve inspiração no projeto de doutorado da professora licenciada do IF, a enóloga Maritê Dal'Osto.

“A ideia do projeto veio com a minha bolsa de iniciação, que era o doutorado da Maritê. Durante o desenvolvimento do doutorado, constatou-se a necessidade de que fossem aprofundadas mais as questões de aroma, especialmente verificar quais aromas são formados nas principais etapas da vinificação - prensagem, fermentação alcoólica, fermentação malolática e estabilização em garrafa”, explica o egresso da turma de 2017.

Segundo Lucas, esse estudo é fundamental para conhecer mais a variedade Syrah, que tem se destacado no estado de São Paulo, com o propósito de ajudar em uma possível futura denominação de origem (DO).

Para o estudo, foram selecionadas uvas Syrah plantadas em sistema de poda invertida (colhidas no inverno, em vez de no verão), nas regiões de Indaiatuba e São Bento do Sapucaí.

Ex-bolsista do laboratório de vinificação, ele diz que sua passagem pelo IF foi essencial para moldar seu gosto pela pesquisa.

“Eu participei de algumas bolsas de pesquisa, congressos, comissões, participei também como voluntário em muitos projetos, tanto no laboratório de vinificação como na estufa. Tudo isso contou muitos pontos no meu currículo para que fosse aprovado no mestrado”, frisa Lucas, sugerindo que todos os graduandos aproveitem as oportunidades de projetos, além das aulas práticas e cursos que o câmpus de São Roque oferece.