terça-feira, 7 de maio de 2019



“Cursos dos institutos federais têm a mais alta relevância para o setor vitivinícola”


Por Taninos & Afins

O escritor e enófilo Rogério Dardeau. Arquivo pessoal.
            
            O escritor e enófilo Rogério Dardeau tem mais de 40 anos de história no mundo do vinho. Mas sua conexão com esse universo remonta a cinco séculos de história, lá na França, de seus antepassados vitivinicultores. Sua origem, no entanto, só foi descoberta por ele anos depois, quando já atuava no setor, como grande entusiasta e defensor do vinho brasileiro. “Tive a oportunidade de conviver com a grande virada que os viticultores brasileiros fizeram nas próprias vidas, ali pelos anos 1980. Eles decidiram deixar de vender a própria uva para grandes vinícolas e elaborar seus vinhos. Vi esse crescimento”, rememora.
            Na quinta-feira, 09, Dardeau realiza uma aula magna no auditório do Instituto Federal de São Paulo, campus São Roque, das 9 às 11 horas. O evento será aberto ao público geral.
            Na entrevista abaixo, ele antecipa um pouquinho do que será abordado no evento e conta um pouco de sua história.
           

T&A - O senhor é de uma família de vinhateiros estabelecida há cinco séculos na França. Já tinha conhecimento de sua história? Se não, como a descobriu?
RD - A família Dardeau chegou ao Brasil a partir da Louisiana, então um enclave francês nos Estados Unidos, no final do século XVIII. Quando a Louisiana passou a ser um estado norte-americano, muitos franceses não gostaram e migraram outra vez. Um Dardeau veio para o Brasil. Descobri isso em 1993, numa viagem a New Orleans. Desde então, mantenho contato com a família, estabelecida em Montlouis-sur-Loire, na França.

T&A - Como se deu seu ingresso no mundo do vinho?
RD - Por absoluto interesse pessoal (minha mãe dizia que estava no DNA), ali pelos anos 1970. Acontece que, nos anos 1980, fui morar na África, em Luanda. Ali, conheci um sommelier português, no hotel onde eu residia, e ele me ajudou bastante a organizar conhecimentos sobre vinhos.

T&A - O senhor é um dos principais especialistas em vinho brasileiro. Por que optou por esse caminho, quando boa parte do mercado consumidor torcia o nariz para nosso produto?
RD - Tive a oportunidade de conviver com a grande virada que os viticultores brasileiros fizeram nas próprias vidas, ali pelos anos 1980. Eles decidiram deixar de vender a própria uva para grandes vinícolas e elaborar seus vinhos. Vi esse crescimento. Além disso, sou um adepto do vinho de terroir e vejo isso no mundo todo, inclusive no Brasil, em cada uma de nossas inúmeras regiões produtoras. Os vinhos de outros países têm as próprias características e são diferentes dos nossos espumantes, brancos, rosados e tintos.

T&A - O senhor é autor de alguns livros, entre eles “Vinho fino brasileiro”, que se tornou uma referência no setor. Em que estágio está o vinho fino brasileiro atualmente?
RD - Nosso estágio atual é de reconhecer que há muitos vinhos brasileiros. Não há um vinho brasileiro. Há um vinho de São Roque, outro do Vale dos Vinhedos, outro de São Joaquim, outro da Chapada Diamantina etc. Tal como não devo falar de um vinho português, mas sim de um vinho do Douro, do Dão, do Alentejo etc. Há 20 anos, o único vinho fino brasileiro era o da serra gaúcha. Hoje, temos mais de dez pontos onde vinhos finos são elaborados, com características e perfis deliciosos.

T&A - Quais são, na sua opinião, os principais gargalos da indústria nacional do vinho?
RD - A carga tributária é muito elevada, os insumos são caros, a logística é complicada e ainda há muito desconhecimento por parte do consumidor, que ainda tem preconceito.

T&A - E com relação à mão de obra? Atualmente, o país conta com seis institutos federais para a formação de tecnólogos de viticultura e enologia. De que modo esses cursos têm ajudado a indústria a melhorar?

RD - Os cursos dos institutos federais têm a mais alta relevância para o setor vitivinícola. Eles estão capacitando a juventude para a vitivinicultura. 


T&A - A região de São Roque é conhecida pela produção de vinho de mesa, bastante apreciado pelos consumidores brasileiros. A Rota do Vinho tornou-se, inclusive, um importante pólo econômico, não só na região, como no estado de São Paulo. A despeito disso, esse tipo de vinho ainda é visto de modo enviesado por experts do mercado. O senhor acha que essa visão mudou ou tende a mudar? Por que a opinião dos críticos nem sempre converge com a do mercado consumidor?
RD - Insisto que vinho é um prazer pessoal e são os gostos que definem interesses e procura. São Roque construiu um nome forte e respeitado num estilo de vinho. Vejo com muito otimismo a entrada de São Roque no mundo dos vinhos finos, pela via de manejo de vinhedos por dupla poda, com colheita de inverno. Então, o que já era bom no campo dos vinhos de mesa, pode ver ampliada a vocação vitivinícola, com a elaboração de vinhos finos.
T&A - Em entrevista para este blog, o mestre dos vinhos Dirceu Vianna Júnior disse que os “enochatos” distanciam o consumidor do vinho, por tornarem a bebida algo difícil e inalcançável. O senhor concorda com essa visão? Se sim, de que modo podemos mudar isso?
RD - Dirceu Vianna Júnior é uma referência. Concordo totalmente com ele. Vinho é mesmo prazer pessoal. O que vale é o desejo do apreciador. ‘Enochatos’ atrapalham, sim! O que precisamos fazer mais e mais é mostrar, levar nossos vinhos ao público. Isso é melhor do que concurso.

T&A - Gostaria que o senhor abordasse um pouco a questão da formação das denominações de origem (DOs). Por que é tão difícil estabelecê-las no Brasil? De que modo elas poderiam ajudar a fomentar o vinho brasileiro?
RD - Sou totalmente favorável à adoção de indicações geográficas. Isso auxilia muito o consumidor. A dificuldade é natural. É preciso que os produtores se organizem para registrar os próprios conhecimentos adquiridos com o cultivo. Feito isso, há informações para começar um processo, dizendo o que desejamos produzir e como. Isso dá trabalho, mas compensa, já que não somos um país com cultura intrínseca de vinhos.

T&A - O produtor brasileiro de uva e vinho foi algumas vezes criticado por considerar-se fechado a opiniões e críticas de especialistas. De uns anos para cá, isso tem mudado, pois algumas vinícolas têm contratado, inclusive, consultores estrangeiros para auxiliá-las em seus processos. O senhor acredita que essa abertura ajudou na melhoria dos vinhos nacionais?
RD - Não seriam necessários consultores estrangeiros para isso. Muitos desses levam os vinhos a uma estandardização que não nos interessa. Nossos vinhos devem ter o próprio rosto. 
Taninos & Afins - Se pudesse destacar um ponto do que será abordado em sua aula magna no IFSP - campus São Roque, o que seria?

Rogério Dardeau - Farei uma ampla abordagem do que se faz hoje, no Brasil, em matéria de vinhos finos. Procurarei mostrar que elaboramos vinhos de personalidade, com magnífica diversidade e possibilidade de um grande futuro, mas ainda com a necessidade de bastante trabalho.


T&A - O que podemos esperar do mercado de vinho brasileiro nos próximos anos? Há alguma tendência que o senhor destacaria?
RD - Vejo uma tendência de regionalização da produção e do consumo, com maior reconhecimento pelo público.

Se você gostou desta entrevista, deixe seu comentário. Contamos com a sua presença na aula magna de Rogério Dardeau.



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