quarta-feira, 25 de setembro de 2019

ALUNOS DO CAMPUS SÃO ROQUE PARTICIPAM DE ENCONTRO DE VIVEIRISTAS DA EMBRAPA UVA E VINHO


Por Taninos e Afins

Alunos do IFSP campus São Roque com Daniel Grohs (ao centro, de barba), coordenador do curso

           
Uma boa produção de uva começa com mudas de qualidade. Foi pensando nisso que, há cerca de sete anos, a Embrapa Uva e Vinho, cuja sede fica em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, desenvolveu treinamento para capacitar viveiristas de videira. Nos últimos dias 24 e 25 de setembro, a empresa de pesquisa na área agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), realizou a 3ª Edição do Encontro para Capacitação de Viveiristas de Videira. Seis graduandos do curso de Tecnologia em Viticultura e Enologia (TVE) do Instituto Federal de São Paulo, campus São Roque (IFSP São Roque), participaram da iniciativa.
            Misturando aulas práticas e teóricas, que abordaram temas diversos como fisiologia vegetal, propagação, substratos, entomologia, doenças do tronco, entre outros, o terceiro encontro teve mais inscritos que vagas ofertadas, uma prova de que o tema tem ganhado relevância no mercado nacional. Entre os palestrantes, estiveram pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho, uma referência no setor, além de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Instituto Federal de Bento. O curso atraiu público de todo o Brasil, desde Rondônia, Tocantins, Petrolina, Goiás, São Paulo, Brasília, entre outros.
O encontro de viveiristas foi realizado em Bento Gonçalves
            “O curso superou nossas expectativas. Esta é a terceira edição. Em geral, realizamos a cada dois anos e a previsão era de que fizéssemos em 2020, mas tivemos que adiantar”, disse o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho e coordenador do curso, Daniel Santos Grohs.
            Diante da procura, a cota de 50 pessoas por edição foi superada e, na versão deste ano, abriu-se uma exceção, permitindo a presença de cerca de 70 pessoas. Segundo Grohs, isso se deve ao fato de que a vitivinicultura está extrapolando as fronteiras do Rio Grande do Sul, atualmente o maior produtor do país.
            “Estamos vendo que há demanda para cima (regiões centrais do país) e, ao final, precisamos sentar e pensar em como faremos a sustentabilidade do negócio”, disse.
            Com o crescimento do mercado de uva, vinho e derivados para outras regiões do país, a Embrapa Uva e Vinho trabalha com a expectativa de uma demanda cada vez mais crescente e intermitente de mudas de uva e, se nada for feito até lá, poderá haver um déficit no mercado. Hoje, os viveiristas não dão conta de atender a essa demanda imediatamente, sendo que trabalham com pedidos antecipados em até um ano.    
            Grosso modo, o programa da Embrapa Uva e Vinho funciona da seguinte maneira: o viveirista cadastrado recebe mudas com qualidade sanitária contra os principais vírus da videira (é garantida a limpeza de seis grupos virais). Os viveiristas credenciados podem replicá-las e vendê-las no mercado, desde que paguem 5% de royalties sobre as mudas comercializadas à Embrapa. Há, no entanto, um limite de seis replicações sobre mudas in vitro, enquanto não há limite para as demais. Periodicamente, a Embrapa acompanha a sanidade das plantas básicas adquiridas.
            Atualmente, há 12 viveiristas licenciados, sendo sete somente no Rio Grande do Sul e os demais em Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Santa Catarina. Só os do Rio Grande comercializam 2,5 milhões e os de Petrolina, quatro milhões, pois estes últimos conseguem obter mais efetividade na replicação das mudas devido às características edafoclimáticas da região.
           
Evento incluiu atividades teóricas e de campo
Contudo, não é tão simples tornar-se um viveirista licenciado da Embrapa. O princípio de tudo, segundo Grohs, é já ter alguma experiência como viveirista, a fim de que se tenha afinidade com os conceitos básicos do setor, como saber o que é um porta-enxerto, um enxerto, uma copa.
            Tendo-se a experiência, o primeiro passo é inscrever-se no Renasem (Registro Nacional de Sementes e Mudas) e, obtendo-se ele, pode-se procurar a Embrapa Uva e Vinho.

Graduandos de TVE

            Seis alunos do curso de Viticultura e Enologia participaram do curso (aliás, os únicos participantes de institutos federais. A exceção foi um bolsista da Embrapa do IF de Bento, que esteve no primeiro dia) e todos tiveram impressões muito positivas da iniciativa, especialmente por terem tido a oportunidade de ter contato com o mundo real das mudas de videira.
            A aluna do segundo semestre, a biomédica Gabriela Hirschfeld-Campolongo, classificou o treinamento como “bastante interessante, pois houve muito fundamento técnico-científico eu não tinha expectativa de que seria tão profundamente científico".
            Para ela, esse aspecto foi uma boa surpresa, além do contato com pessoas de diversas regiões, que não somente o Sul ou Petrolina, o que mostra que há uma dispersão de interessados no cultivo de mudas de videira.
            “A Embrapa Uva e Vinho tem uma estrutura bem equipada e isso dá a possibilidade de expandir a pesquisa, o que, infelizmente, não temos a possibilidade de fazer no IFSP”, salientou.
Replicação de mudas in vitro da Embrapa Uva e Vinho
            A aluna do quarto período Isabella Magalhães apontou que o curso complementou bastante as aulas de Fisiologia Vegetal e Fitopatologia, ministradas pelo professor Flávio Trevisan, além de ter-lhe dado uma noção de como é ser um viveirista. “Aqui a gente convive com viveiristas e, por isso, consegue ter uma visão do que é prático na verdade, do que funciona e dos valores envolvidos, e isso é muito importante para a gente.”
            O engenheiro agrônomo, vitivinicultor e aluno do sexto período André Sano acredita que o que se viu no curso é o que realmente é aplicado no mercado. “Normalmente na universidade a gente não consegue chegar a um padrão de como se faz as coisas e aqui nós temos contato com esse padrão, que é o padrão Embrapa de qualidade e, a partir desse contato, vemos se vale a pena ser um viveirista ou não”, pontuou.
            Na mesma linha de raciocínio, o aluno do quarto período João Góes também apontou que o treinamento da Embrapa mostra o padrão de produção da empresa, bem como as noções das exigências da legislação. “As primeiras palestras foram um complemento das aulas do Flávio, mas a parte prática é bem diferente. Aqui tivemos a noção prática do negócio”, salientou.
            O também aluno do quarto período Fernando Barbosa Santos disse que algumas das palestras corresponderam a um aprofundamento do que se viu em sala de aula no IFSP. “O curso acrescentou bastante, especialmente a parte prática, que deu um plus sobre outras maneiras de se fazer enxertia.”
           
Pesquisador ensina a fazer enxertia verde
Já para a aluna do sexto e último período do curso de TVE Adriana Cardoso, houve certa facilidade em acompanhar as palestras, especialmente as que envolveram propagação, fitopatologia, entomologia e substrato, pois muito do que foi falado fora abordado especialmente nas disciplinas ministradas pelos professores Flávio Trevisan e Leonardo Pretto.
            “Obviamente há limitações no curso do IFSP e creio que seja esse mesmo o papel da academia: ela dá ao aluno as ferramentas de que ele necessita, incitando-lhe a curiosidade para que busque fora do campus novas informações. O mundo real é mesmo muito diferente do mundo acadêmico.”
            Além disso, o curso, para ela, foi surpreendente no sentido de não só conhecer sobre o cultivo de mudas, mas de perceber que o universo da uva e do vinho ainda é bastante incipiente no Brasil. “A quantidade de interessados nos mostrou que há muita gente apostando nesse setor e em regiões as quais sequer imaginávamos, o que é muito bom para nós, estudantes de viticultura e enologia”, pontuou.     
Câmara de pegamento de enxertia



quinta-feira, 25 de julho de 2019

Estágio: passo importante na formação do enólogo


Graduandos de TVE dividem suas experiências em estágios e afirmam: contato com o ‘mundo real’ é surpreendente e fundamental para se ter uma visão clara da profissão


           
A aluna Isabella Magalhães durante estágio na Guaspari
O
papel do enólogo começa no campo, nos cuidados com a uva, matéria-prima essencial para se produzir um vinho de qualidade. Muitas vezes, o manejo da videira corre tranquilamente, até que a natureza muda o seu humor e coloca tudo a perder, trazendo prejuízos ao produtor (em 2016, por exemplo, o Rio Grande do Sul teve 57% de quebra na safra de uva, devido a fortes chuvas e geadas). Por outro lado, se tudo corre bem no parreiral, o papel desse profissional torna-se ainda mais desafiador: não estragar a matéria-prima. Afinal, é o enólogo quem vai, a partir da uva colhida, definir o tipo de vinho que será produzido.
            Durante a formação, um tecnólogo em viticultura e enologia aprende a percorrer todo o caminho da bebida, que vai do campo ao copo. Contudo, a realidade de uma instituição de ensino, ainda que tente, representa apenas uma ínfima fração do que de fato acontece no mundo real. Por essa razão, o estágio torna-se primordial na vida do estudante. É nessa etapa que ele toma conhecimento dos desafios climatológicos, da concorrência, contato e uso de maquinário de ponta, da produção em larga escala. Ainda, estagiando ele pode definir a área de atuação que mais lhe apetece nesse segmento, como o campo, a cantina, o enoturismo, a comercialização, o laboratório ou o serviço de sommelier.
            “Para mim, o estágio tem sido muito importante por me dar uma vivência que o IF (Instituto Federal) não pode me dar, como o contato com a poda, a colheita, o crescimento da planta, os defensivos agrícolas usados e as doenças da videira”, explicou Luísa Tannure, aluna do sexto período do curso de TVE (Tecnologia em Viticultura e Enologia) do campus São Roque do IFSP (Instituto Federal de São Paulo).
           
Luísa: estagiária da Casa da Árvore
Desde janeiro passado, Luísa é estagiária da Vinícola Casa da Árvore, localizada na Rota do Vinho de São Roque, interior de São Paulo, cujo forte é a produção do suco de uva integral.
            Ex-bolsista do laboratório de vinificação do instituto, ela diz que na vinícola, além do contato com o vinhedo, o que o campus do IFSP não dispõe (possui uma estufa e as aulas práticas normalmente ocorrem em vinhedos de vinícolas parceiras da região), pode vivenciar uma escala de produção maior de vinho e, principalmente, de suco de uva.
            “Posso dizer que, no laboratório do IF, aprendi tudo sobre vinho, embora a produção fosse numa escala menor. A experiência lá também me deu confiança no estágio. O suco de uva, no entanto, foi uma novidade para mim”, disse a aluna, que, na graduação, só teve contato com a produção de suco no quinto período, na disciplina de Derivados da Uva e do Vinho (DUV).
            Outra novidade para Luísa no estágio foi o contato com o enoturismo. “O lado turístico de São Roque, especialmente a Rota do Vinho, é muito importante, uma vez que o enoturismo tem sido essencial para os negócios das vinícolas”, ressaltou.
            
Chandon

           
Antonio (à esq.) e Lucas na Chandon
Lucas Holl Bertoni e Antonio Claro, também do sexto período do curso de TVE, aproveitaram as férias de dezembro passado para estagiarem na Chandon, grande produtora de espumantes localizada em Garibaldi, no Rio Grande do Sul.
            Ao contrário de Luísa, no estágio eles não tiveram contato com a parte de viticultura, pois a vindima já havia ocorrido, e ficaram basicamente na cantina. E afirmam que aprenderam muito.
            “No instituto nós temos uma produção mais ‘caseira’, em pequena escala. É bem diferente numa indústria grande”, disse Lucas.
            “No estágio na cantina, ficamos na estação de tratamento de mosto, operando equipamentos que tínhamos visto em sala de aula, mas que não tivemos contato. O estágio foi ótimo para vermos na prática o que vemos na teoria, pois vemos bastante coisa, mas não temos ideia de como funcionam, como maquinário, bomba”, complementou Antonio.
            Falando em aprendizado, Antonio frisou que em momento algum sentiu-se inseguro no estágio. Ele e Lucas, inclusive, elogiaram a base teórica aprendida no instituto, o que lhes deu suporte durante o período na Chandon. “Eu sabia exatamente o que estava fazendo”, afirmou Antonio.
           
Antonio: vendo a teoria na prática
Os dois também disseram que, após o estágio, o entendimento da produção de vinhos, sejam tranquilos ou espumantes, ficou mais fácil quando leem artigos e/ou livros a respeito do assunto. “Se eu vir primeiro na prática, aprendo mais depois com a teoria”, disse Lucas.
       Ambos afirmaram ter sido muito bem recebidos na empresa e teceram muitos elogios ao enólogo responsável da Chandon, Juliano Perin. “Ele é muito experiente, fez várias safras pelo mundo. Passei a admirar ainda mais esse profissional por causa dele”, enfatizou Lucas.
            “O Juliano nos orientou bastante. Nós passávamos todos os dias nos tanques para verificar se havia algum desvio metabólico da fermentação, para identificarmos algum possível problema. Ele fez uma sessão de análise sensorial com a gente para vermos cada vinho que era produzido lá e como se modificava no decorrer do tempo para fazer os cortes. Isso foi muito bacana”, explicou Antonio.
            Após o estágio, a visão de Lucas sobre o mercado de trabalho mudou completamente. “Quebrei o estereótipo da vinícola com teia de aranha. Impressionou-me a limpeza da Chandon. Além disso, a região lá é muito parecida com São Roque e, por isso, vi que há muito potencial aqui ainda não explorado”, disse.
            A percepção sobre a profissão também mudou para os dois. “Comecei a faculdade achando que tínhamos pouca oportunidade de emprego, mas vi que há muitas, pois ainda há pouca mão de obra especializada nesse setor”, pontuou Lucas. “Vi que gosto muito de vinícola e o estágio foi essencial para eu querer continuar na área”, completou Antonio.

Guaspari

            Nas férias de julho do ano passado, Isabella Magalhães, aluna do quinto período de TVE, conseguiu um estágio numa das mais premiadas vinícolas do Brasil, a Guaspari, no interior de São Paulo.
           
Isabella quer trabalhar no enoturismo
Todos os dias, ela media a temperatura e densidade dos tanques (indicadores usados para avaliar a fermentação), cuidava da limpeza da vinícola, pesagem de insumos, análises laboratorias e outras atividades inerentes à produção de vinho. No campo, ela não estagiou tanto, mas aprendeu sobre como ver o ponto certo da maturação da uva.
            Aos fins de semana, a graduanda estagiou no enoturismo e disse que foi justamente esta a área que mais a agradou. “O enoturismo foi a parte que mais me encantou! Antes do estágio, achava que era chata e monótona, mas vi que é muito legal trabalhar com as pessoas, com a imagem do vinho, ver como vendem o produto”, contou.
            A exemplo dos demais entrevistados, a experiência prática agregou muito para ela no aprendizado teórico, dando-lhe uma visão mais ampla do mercado. “Fiquei muito mais empolgada com o curso, tanto que quero me especializar ainda mais na área, fazendo mestrado.”

Oportunidade

            Você deve estar se perguntando como os alunos conseguiram essas vagas, não é mesmo? Lucas e Antonio foram selecionados ao estágio na Chandon por intermédio do próprio instituto, que foi contatado pela empresa.
            Como estagiou no laboratório de vinificação do IF, Luísa ficou sabendo que a Casa da Árvore buscava um estagiário e foi atrás. Isabella, por sua vez, foi convidada a fazer uma entrevista na Guaspari por meio de um conhecido, que a indicou.
            “O mais importante é que o aluno não fique esperando a oportunidade aparecer – simplesmente vá atrás! Ele deve acreditar em si. Se conseguir conciliar o estágio com a faculdade, é ótimo!”, aconselha Luísa.

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quarta-feira, 10 de julho de 2019




GRADUANDA E EGRESSO DO CURSO DE TVE DO IFSP SÃO ROQUE PARTICIPAM DE CONGRESSO DE VITICULTURA NA GRÉCIA

Luísa Tannure e Lucas Amaral participaram do 21º Giesco, congresso internacional que foi sediado em Tessalônica, na Grécia, em junho.


Luísa Tannure e Lucas Amaral, durante visita a vinhedo na Grécia 

O Giesco é um dos principais eventos mundiais do setor de vitivinicultura, com o propósito de discutir os principais dilemas do setor. Na 21ª edição do evento, realizada este ano, o tema foi “Uma visão multidisciplinar acerca da viticultura sustentável”, debate que vem ganhando cada vez mais espaço diante dos desafios climáticos que se impõem aos produtores de uva e vinho. Cada vez mais, eles têm buscado meios de tornar a viticultura uma cultura mais sustentável e coadunada com as questões ambientais.  

Luísa em frente ao painel de apresentação dos trabalhos
Conforme Luísa Tannure, aluna do sexto período do curso de Tecnologia em Viticultura e Enologia (TVE) do campus São Roque do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), que esteve presente no evento que ocorreu na cidade de Tessalônica, na Grécia, entre 23 e 28 de junho, o objetivo do congresso é promover a produção de uva, tanto no âmbito regional como internacional, para desenvolver novas técnicas e inovar o plantio da fruta em um futuro com mudanças climáticas.

O congresso acontece a cada dois anos e é considerado um dos eventos científicos mais importantes relacionados à vitivinicultura. Luísa esteve lá com o Lucas Amaral, egresso da turma de 2017 do curso de TVE, e que hoje é mestrando em Ciência dos Alimentos na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador associado do FoRC (centro de pesquisas em alimentos) da mesma universidade.

Lucas levou seu projeto de pesquisa ao evento
Lucas apresentou seu projeto de pesquisa no evento, no qual estuda a composição volátil de vinhos produzidos com a uva Syrah, em São Paulo, com inversão de ciclo. “A participação no congresso foi importante para mostrar os resultados obtidos no projeto, mostrando uma tecnologia, a dupla poda, que ainda é desconhecia para alguns produtores e pesquisadores no mundo. Além disso, também foi importante discutir os resultados com outros pesquisadores que conhecem a tecnologia ou que trabalham com a mesma uva na Índia, França e Austrália”, contou.

Os participantes do congresso puderam visitar diferentes regiões produtoras de vinho no norte da Grécia, como Naoussa, onde predomina o plantio da variedade tinta autóctone Xinomavro; Amyndeon, onde puderam encontrar videiras centenárias ainda produtivas; Kavala-Pangeon, local em que predominam as variedades brancas, como Sauvignon Blanc e Assyrtiko; e também Drama, onde a maior parte dos vinhedos são compostos de Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah, mas também cultivares autóctones tintas como Agiorgitiko.

Para Luísa, que também foi bolsista do laboratório de vinificação do IFSP, a experiência foi enriquecedora. “Foi muito enriquecedor conhecer as vinícolas e os vinhedos, alguns com sistemas de condução pouco usados no Brasil, e que até então nunca os tinha visto. Também gostei muito de apresentar o projeto porque ajudei nas vinificações quando era bolsista.”

Na opinião de Lucas, o congresso contribuiu para mostrar-lhe novos caminhos em seu mestrado e, quem sabe, até um futuro doutorado. “Ver as apresentações orais foi interessante para conhecer, diretamente com os autores de projetos, o que está sendo pesquisado hoje em dia. Foi uma honra poder participar deste evento com os maiores nomes das áreas de Viticultura e Enologia.

Luísa complementou: “Gostei de conhecer os pesquisadores que já usei inúmeras vezes como referências para meus trabalhos. Todos foram gentis e nos trataram muito bem. Também foi interessante encontrar mais brasileiros, como a pesquisadora do IAC (Instituto Agronômico de Campinas), Mara Fernandes Moura, e o professor da UNIPAMPA – campus Don Pedrito, Juan Saavedra del Aguila.”


Colaboração de Luísa Tannure.

terça-feira, 25 de junho de 2019


 ‘O setor ainda é bastante desorganizado’
Marcelo Motta em sua biblioteca pessoal.

            Por Taninos & Afins

            O economista e advogado Marcelo Motta é um empreendedor que mantém seus pés bastante calcados na terra. Diga-se de passagem, que terra! Com larga experiência no mercado financeiro, ou seja, alguém que entende muito de números e do livre mercado, ele – ao lado da mulher, Sônia - transformou uma linda fazenda adquirida na Serra da Mantiqueira há alguns anos, onde possui castanheiras e frutas regionais, numa promissora vinícola: a Fazenda Portal da Luz. Dos 85 hectares do local, 3,5 são dedicados à plantação de uvas para produção de vinho (a vinificação é terceirizada). Ele se beneficia das condições climáticas locais para também realizar a poda invertida para colheita de inverno, com resultados bastante positivos para a uva Syrah. Um amante da boa gastronomia, do vinho, da arte e da natureza, nesta quinta-feira (27), a partir das 9h, ele dará uma palestra no auditório do IFSP São Roque intitulada “O Vinho na Arte”, que, segundo ele conta, surgiu em uma conversa de bar. Ao blog, ele falou de negócios, o que acha do futuro da indústria do vinho brasileira, e não poupou críticas à desorganização da cadeia e à famigerada burocracia. “O burocrata de Brasília acha que o vinho feito em nossa casa é um problema de saúde pública”.

Taninos & Afins - O tema de sua palestra no auditório do IFSP São Roque será "O Vinho na Arte". De onde surgiu essa ideia?
Marcelo Motta - A ideia surgiu de um bate-papo – com vinho, evidentemente – entre mim e um amigo. Discutíamos, como acontece em conversas ‘profundas’ de botequim, quais teriam sido as grandes bebedeiras da história. Mencionei algumas e mostrei quadros que as retratavam, puxados no celular (ainda em 2G) da Wikicommons. Naquela conversa, falamos de pisa, colheita, religião, barricas, tudo documentado com imagens de obras de arte. Ao final, ele sugeriu que eu fizesse um apanhado sobre o vinho na arte para uma confraria de que fazemos parte. Assim nasceu a palestra - hoje já bem diferente da inicial.
T&A - Sua vinícola Fazenda Portal da Luz é uma das pioneiras no ramo de vitivinícola na Serra da Mantiqueira, não é isso? Conte-nos um pouco sobre a sua trajetória. Antes de embrenhar-se no mundo do vinho, o que o senhor fazia?
MM - Deixe-me começar pelo fim. Sou advogado e economista e tenho um pós-graduação no Brasil em Direito Econômico e um mestrado no exterior em Direito Comparado. Trabalhei 32 anos em um grande grupo financeiro brasileiro, no qual cheguei a ser diretor jurídico, e fui diretor da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e da Abecs (Associação das Empresas Brasileiras de Cartões de Crédito e Serviços). Ainda leciono Ética Corporativa em um conceituado curso de pós-graduação e mantenho minha atividade advocatícia, assim como participo de órgãos colegiados de empresas, especialmente as de uso intensivo de tecnologia. Como se vê, nada ligado a vinho e uva. Em 2002, minha companheira de vida (Sônia Motta) e eu – conhecemo-nos aos 16 anos, em 1974, e estamos juntos até hoje – compramos uma área de terra em São Bento do Sapucaí, bem pertinho de Campos do Jordão (SP). Encantou-nos a paisagem maravilhosa (a propriedade está em frente à Pedra do Baú e foi incluída na obra Vignes et Terroirs – Splendeur des Paysages du Monde, de Joël Rochard) e a existência de restos de reflorestamento de eucaliptos, pinus e cedrinho. Mas recebemos um presente na aquisição: havia uma plantação feita pelo antigo proprietário de castanhas europeias (ou castanhas portuguesas) em produção, ainda hoje responsável por pagar uma parte importante das contas da propriedade. Dedicamos alguns anos a reformas e construções, assim como à melhoria do castanhal (as castanhas, hoje, têm tamanho e dulçor acima da média), e ao desenvolvimento de produtos derivados de castanhas, como doces, farinhas e, agora em fase de testes com diversos desenvolvedores, cerveja. Em meados de 2009, visitamos uma propriedade próxima à nossa, que tinha um hectare plantado de uva para vinho. Ali conhecemos a professora Maritê Dal’Osto (enóloga e professora do IFSP São Roque) – então uma menina entusiasmada, mas, acima de tudo, uma pesquisadora, uma cientista –, que nos explicou a inversão da poda. Fomos atrás do conceito e pareceu-nos viável, embora um pouco louco. Enquanto olhei para o projeto de um modo frio, de possibilidades e vieses técnicos e financeiros, minha mulher olhou com paixão (ela é uma psicóloga que virou chef e fez vários cursos de vinhos). Em outubro de 2010, iniciamos o plantio de nosso vinhedo (acho que a paixão venceu a razão; jamais discutam com bêbados, loucos e apaixonados. risos).
T&A - Por que decidiu investir nessa indústria?
MM - Sempre pensamos em complementar a receita da castanha com algo mais. Chegamos a olhar outras frutas, como atemoia e frutas vermelhas, como possibilidades para formar um mix interessante para a geração de renda e para atração de turistas que gostem da vida rural. Mas, sem dúvida nenhuma, nada se compara à atração gerada por um vinhedo! As pessoas que se interessam por vinho gostam de passear entre as fileiras de uvas, param para admirar os cachos, as plantas e o entorno e perguntam sem parar. Isso não acontece com nosso castanhal ou com o nosso pomar, que, depois de algum tempo, tornam-se desinteressantes para o visitante. À época, quando percebemos a viabilidade técnica da uva para vinho na Mantiqueira, partimos para entender quanto seria necessário dispor para o projeto. Naquele momento, calcular qual seria o retorno do investimento era praticamente impossível – acho que, de certo modo, essa dificuldade permanece. A nossa percepção foi de que o risco era pequeno se comparado com o que um vinhedo pode engendrar. Na pior das hipóteses, o produto seria um vinho ruim, mas uma possibilidade de turismo muito boa. Felizmente, o nosso produto é bom e se casa muito bem com os nossos outros produtos. A nossa próxima fase de investimentos estará focada no enoturismo.
T&A - Há uma brincadeira entre vinhateiros de que a maioria dos que se iniciam nesse segmento começa lionária e se torna milionária" com o passar do tempo, numa alusão de que se perde muito dinheiro nesse ramo de atividade. O senhor concorda?
MM - Não. Vou contar duas histórias. Tenho um conhecido que tentou produzir vinhos no Rio Grande do Sul. Gastou uma fortuna tentando produzir vinho como o da Borgonha. Evidentemente, deu com os burros n’água. Um amigo tenta, faz anos, produzir uvas orgânicas para espumante no Paraná. Vi uma foto do cacho e só posso chamá-lo de um esqueleto com bolinhas (risos). Em ambas as situações, não se respeitaram o ambiente, o terroir, e desconsiderou-se não só a ciência como também o bom senso. Além de tudo, desprezou-se a diversidade. Vinho Borgonha é da Borgonha; no Rio Grande, faz-se outra coisa, com todos os seus méritos. No Paraná, com a adversidade climática, pensar-se na produção orgânica é muito arriscado. Em outras palavras, o que quero dizer é que plantar uva e produzir vinho são, em primeiro lugar, uma atividade econômica, com seus riscos, e, como quase todas, seu exercício tem de estar baseado em técnica e ciência. Se a ciência não for seguida e respeitada, a atividade tem o seu risco agravado. O heroísmo tem hora e lugar; fora deles, é tolice. Eu mesmo tive um sério contratempo: em 12 de novembro de 2016, caiu um granizo devastador em minha região. Perdi toda a minha produção de verão, com exceção de um pouco de Pinot Noir, e tive comprometida minha colheita de inverno de Syrah, cujo resultado foi de apenas pouco mais de duas centenas de garrafas da safra de 2017. Sinto os efeitos do granizo ainda hoje. O que aprendi com isso? Primeiro, granizo daquela intensidade, embora raro, é (ou deveria ser) previsível; segundo, percebi que não havia planejado com atenção o combate e a mitigação dos riscos da atividade. A culpa não foi do clima, mas minha, que não previ o clima ruim e não me planejei para diminuir o risco (por exemplo, antecipando a cobertura habitual). Em resumo, acredito que a atividade é rentável, se usarmos o conhecimento técnico e científico no seu limite e se planejarmos os controles de riscos sem paixão.
T&A - Assim como o senhor, há empreendedores voltando seus olhos para a Mantiqueira, com investimentos, não só em vinho e, mas também em azeite. O senhor acredita que essa região tem potencial para transformar-se numa rota do turismo enológico, a exemplo de São Roque? Se sim, o que o leva a crer nisso?
MM - A Mantiqueira é surpreendente! Além da uva para vinho e da azeitona, há na serra uma produção impressionante de cafés, de diversos tipos e de alta qualidade, frutas, como a atemoia e as vermelhas, a banana prata e o marmelo, a mandioquinha e as castanhas, sem contar a ampla variedade de queijos e doces típicos. Tudo isso gera interesse pelo turismo rural. Mas não se pode esquecer que Campos do Jordão, hoje centro de turismo de estância climática, foi e continua sendo um importante polo atrativo e irradiador de turismo para a região. As cidades vizinhas, como São Bento do Sapucaí, Santo Antônio do Pinhal e Pindamonhangaba, em São Paulo, e Gonçalves e Delfim Moreira, em Minas Gerais, beneficiam-se desse atrativo, oferecendo turismo rural e gastronômico, além daquele voltado aos esportes radicais e típicos de montanha. Mais ainda, tais cidades mantêm o que Campos do Jordão perdeu, ou, de certo modo, nunca teve: a vida campestre. A possibilidade de a região transformar-se também em uma rota de vinhos de alta qualidade propicia uma feliz e rara oportunidade de conjugar-se clima e paisagem à alta enogastronomia. E, mais importante de tudo, é que esta conjugação está por ser desbravada. Os complexos que reúnam clima e paisagem com culturas agrícolas e hospitalidade, folclore e artesanato são ainda raros, quase inexistentes. O potencial, portanto, é extraordinário!
T&A - Sua vinícola já está em produção constante ou o negócio ainda é incipiente?
MM - A minha propriedade está com produção crescente. São um total de 85 hectares, com 3,5 voltados à plantação de uva. A produção sofreu com o granizo de 2016, mas acredito que, com a área que temos plantada hoje, podemos chegar em nosso objetivo de uma produção de 10 mil garrafas por ano em poucos anos.

T&A - Como já mencionado, o senhor tem investido em ciclo invertido em sua propriedade. Financeiramente é viável? Quais qualidades esse tipo de manejo propiciou ao produto final?
MM - É viável, mas os custos têm de ser levados com rédea curta, porque a inversão exige estruturas de cobertura, de adubação e cuidados que, na cultura de verão, não existem. Nós já fizemos vinhos de Syrah, Viognier e Cabernet Sauvignon no ciclo de inverno. Sem dúvida, a mais adaptada ao ciclo invertido é a Syrah, com produtividade bastante animadora e qualidade boa. A Viognier e a Cabernet Sauvignon no ciclo invertido dão produtos excepcionais, mas a quantidade produzida no vinhedo diminui bastante em relação ao ciclo normal. O ciclo de dupla poda contribui para o aumento do teor alcoólico do vinho – ao redor de 14,5% – e para uma estrutura complexa, potente e com adstringência um pouco acima do normal. Falando de percepção (portanto, plenamente subjetiva), e não apenas dos meus vinhos, acredito que os vinhos de colheita de inverno são mais aromáticos do que os “normais”, com acentuação dos aromas secundários (da fermentação).
T&A - Reclama-se muito de que falta união à indústria do vinho nacional. Por exemplo, não há um banco de dados do setor, não há uma federação ou associação que organize informações ou pleiteie políticas governamentais de fomento à cadeia, como vemos em outros segmentos. Por que isso ocorre, na sua avaliação?
MM - É um fato. O setor ainda é desorganizado, bairrista e, não poucas vezes, irracional. Contudo, há projetos em andamento que podem, em um médio ou longo prazo, reverter esta situação. A experiência que tenho com órgãos de classe mostra que o que une entidades lógicas, como são as empresas, são as causas comuns, de modo que elas procurem ser solucionadas em escala, com eficiência e um mínimo de dispêndio de esforço e recursos, em benefício do setor. Uma grande empresa, com muitos donos, acaba sendo gerida de forma que sua governança acomode os conflitos internos, resultando em um vetor de decisão muito próximo do vetor de decisão de sua concorrente direta. Isso não acontece, em geral, na empresa vitivinícola, em sua maioria, familiar. Há um dono, ou uma família, com seus valores e objetivos que, no mais das vezes, são diferentes dos valores e objetivos das empresas concorrentes. A empresa, neste caso, é um prolongamento da personalidade do dono. Por conseguinte, não há causas comuns, que coloquem os vitivinicultores ombro a ombro. O mesmo se dá com as regiões produtivas. O Rio Grande do Sul, por razões óbvias, domina o cenário brasileiro. O Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho), em que pese todo o trabalho desenvolvido em prol do vinho brasileiro, é dominado pelos vitivinicultores gaúchos. São Paulo não tem uma entidade que congregue os produtores paulistas, e apenas um município tem a representação da classe organizada, exatamente São Roque, com o seu importante sindicato. Minas Gerais, como São Paulo, não tem também representação de setor, e por aí vai. Como disse, há algumas coisas em andamento. Existe a recentemente criada Câmara Setorial do Vinho e da Uva no Estado de São Paulo (há também uma federal), mas ela não é uma entidade de produtores, mas sim um fórum de debates e encaminhamento de proposições com o governo do Estado. Já existem algumas conversas para a criação de uma entidade estadual de produtores, sem participação do governo. Vamos ver como isso caminha. Além disso, no ano passado, foi criada a ABDVIN (Associação Brasileira de Direito do Vinho), com sede em Bento Gonçalves (RS), entidade científica voltada para estudos e projetos na área de legislação do vinho. Ela pode vir a ser importante referência para o aperfeiçoamento da legislação nacional sobre o vinho.
T&A - O senhor sentiu ou sente alguma dificuldade, no aspecto burocrático e outros, durante a implantação de seu projeto?
MM - Muitas, mas todas superáveis. Várias das questões dizem respeito à linguagem. Coloque quatro pessoas para conversar: a enóloga, dois proprietários com diferentes formações (um advogado e uma chef, com diferentes jargões) e um capataz que tem de executar o que os outros três determinam, em geral em declarações contraditórias... (como se diz, cachorro que tem muitos donos morre de fome risos). Harmonizar isso tomou tempo. Depois, a experiência da uva é mais complexa que a da castanha ou outras frutas do pomar. A uva é exigente e demanda uma atenção muito maior. É uma fruta muito frágil, muito pouco rústica. É um ser bastante mimado e precisamos nos organizar para dar todo o atendimento que merece. Finalmente, a legislação. O legislador brasileiro, a título de regular as atividades econômicas, costuma produzir as melhores leis do mundo, mas com standards de comportamentos e exigências tão altos que tornam os objetivos da lei impossíveis de serem alcançados. Infelizmente, o normatizador brasileiro raramente trabalha com graduação, com atingir metas e objetivos pouco a pouco. A Lei do Vinho é de 1988, oriunda de um projeto apresentado pelo governo federal no início do governo Sarney; é nítida a influência gaúcha no projeto. A lei não é ruim, mas o Brasil é país que sofre da síndrome do controle. Tudo precisa ser controlado e o exercício da atividade econômica depende de um registro em um órgão qualquer; para esse registro ser realizado, deve-se cumprir tais exigências e requisitos etc. etc. O mundo faz vinho há pelo menos 10 mil anos, mas o burocrata de Brasília acha que o vinho feito em nossa casa é um problema de saúde pública. Não sou contra o registro. Sou contra as exigências prévias, que não permitem ao viticultor transformar-se em vinicultor sem enorme gasto de energia e dinheiro, que pouco agrega na qualidade de seu produto.
T&A - Em relação ao mercado consumidor, os produtores enfrentam basicamente dois desafios: fazer o bebedor de vinho tradicional, que prefere os importados, passar a respeitar o vinho produzido aqui; e tirar o público jovem da cerveja e levá-lo para o vinho. Como, no seu entender, isso pode ser feito?
MM - Separemos os dois públicos. O bebedor de vinhos traz na memória a qualidade do vinho que produzíamos até os anos 1980/90. Reputação ferida é difícil de ser curada. O vinho brasileiro não era bom e o que se fez em 30 anos foi notável. Mas a fama permanece e passa entre gerações e se espalha. Deixar que a qualidade do produto nacional se imponha ao importado é dar murro em ponta de faca, porque o produto estrangeiro também evoluiu/evolui. Para isso, não vejo como resolver a não ser por meio de marketing institucional, de cunho educacional. O problema é que não temos instituição que organize a divulgação, em nível nacional, de que a qualidade do produto brasileiro é, pelo menos, tão boa quanto a do vinho estrangeiro. A isto se acresce a dificuldade tributária, que, de certo modo, beneficia o vinho importado em detrimento do nacional, mas isto é tema para muitos congressos e debates. Quanto aos jovens de hoje, a solução é a mesma, do marketing institucional. Não me parece que seja necessário tirar o público da cerveja, criando-se um ‘maniqueísmo alcoólico’, mas sim mostrar que o vinho, em determinadas circunstâncias, é mais apropriado do que outras bebidas e vira fonte de maior prazer. A juventude é mais ávida pelo hedonismo do que os mais velhos, e uma campanha bem dirigida para a otimização do prazer pode ter bom resultado. Outro ângulo diz respeito ao consumo do vinho em casa, que tem de ser orientado pelo mais velhos. Meu primeiro contato com o vinho foi aos 12 anos, quando meu avô me deu uma taça de vinho com um pouco de água. Isso acontece em lugares onde o consumo de vinho é disseminado como alimento, componente da mesa diária. Mais uma vez, acho que o caminho é o marketing educacional.

Serviço: Para marcar uma visita ao local, basta agendar via celular/WhatsApp: (11) 99616-2623 ou pelo e-mail: Marcelo_motta@uol.com.br

terça-feira, 7 de maio de 2019



“Cursos dos institutos federais têm a mais alta relevância para o setor vitivinícola”


Por Taninos & Afins

O escritor e enófilo Rogério Dardeau. Arquivo pessoal.
            
            O escritor e enófilo Rogério Dardeau tem mais de 40 anos de história no mundo do vinho. Mas sua conexão com esse universo remonta a cinco séculos de história, lá na França, de seus antepassados vitivinicultores. Sua origem, no entanto, só foi descoberta por ele anos depois, quando já atuava no setor, como grande entusiasta e defensor do vinho brasileiro. “Tive a oportunidade de conviver com a grande virada que os viticultores brasileiros fizeram nas próprias vidas, ali pelos anos 1980. Eles decidiram deixar de vender a própria uva para grandes vinícolas e elaborar seus vinhos. Vi esse crescimento”, rememora.
            Na quinta-feira, 09, Dardeau realiza uma aula magna no auditório do Instituto Federal de São Paulo, campus São Roque, das 9 às 11 horas. O evento será aberto ao público geral.
            Na entrevista abaixo, ele antecipa um pouquinho do que será abordado no evento e conta um pouco de sua história.
           

T&A - O senhor é de uma família de vinhateiros estabelecida há cinco séculos na França. Já tinha conhecimento de sua história? Se não, como a descobriu?
RD - A família Dardeau chegou ao Brasil a partir da Louisiana, então um enclave francês nos Estados Unidos, no final do século XVIII. Quando a Louisiana passou a ser um estado norte-americano, muitos franceses não gostaram e migraram outra vez. Um Dardeau veio para o Brasil. Descobri isso em 1993, numa viagem a New Orleans. Desde então, mantenho contato com a família, estabelecida em Montlouis-sur-Loire, na França.

T&A - Como se deu seu ingresso no mundo do vinho?
RD - Por absoluto interesse pessoal (minha mãe dizia que estava no DNA), ali pelos anos 1970. Acontece que, nos anos 1980, fui morar na África, em Luanda. Ali, conheci um sommelier português, no hotel onde eu residia, e ele me ajudou bastante a organizar conhecimentos sobre vinhos.

T&A - O senhor é um dos principais especialistas em vinho brasileiro. Por que optou por esse caminho, quando boa parte do mercado consumidor torcia o nariz para nosso produto?
RD - Tive a oportunidade de conviver com a grande virada que os viticultores brasileiros fizeram nas próprias vidas, ali pelos anos 1980. Eles decidiram deixar de vender a própria uva para grandes vinícolas e elaborar seus vinhos. Vi esse crescimento. Além disso, sou um adepto do vinho de terroir e vejo isso no mundo todo, inclusive no Brasil, em cada uma de nossas inúmeras regiões produtoras. Os vinhos de outros países têm as próprias características e são diferentes dos nossos espumantes, brancos, rosados e tintos.

T&A - O senhor é autor de alguns livros, entre eles “Vinho fino brasileiro”, que se tornou uma referência no setor. Em que estágio está o vinho fino brasileiro atualmente?
RD - Nosso estágio atual é de reconhecer que há muitos vinhos brasileiros. Não há um vinho brasileiro. Há um vinho de São Roque, outro do Vale dos Vinhedos, outro de São Joaquim, outro da Chapada Diamantina etc. Tal como não devo falar de um vinho português, mas sim de um vinho do Douro, do Dão, do Alentejo etc. Há 20 anos, o único vinho fino brasileiro era o da serra gaúcha. Hoje, temos mais de dez pontos onde vinhos finos são elaborados, com características e perfis deliciosos.

T&A - Quais são, na sua opinião, os principais gargalos da indústria nacional do vinho?
RD - A carga tributária é muito elevada, os insumos são caros, a logística é complicada e ainda há muito desconhecimento por parte do consumidor, que ainda tem preconceito.

T&A - E com relação à mão de obra? Atualmente, o país conta com seis institutos federais para a formação de tecnólogos de viticultura e enologia. De que modo esses cursos têm ajudado a indústria a melhorar?

RD - Os cursos dos institutos federais têm a mais alta relevância para o setor vitivinícola. Eles estão capacitando a juventude para a vitivinicultura. 


T&A - A região de São Roque é conhecida pela produção de vinho de mesa, bastante apreciado pelos consumidores brasileiros. A Rota do Vinho tornou-se, inclusive, um importante pólo econômico, não só na região, como no estado de São Paulo. A despeito disso, esse tipo de vinho ainda é visto de modo enviesado por experts do mercado. O senhor acha que essa visão mudou ou tende a mudar? Por que a opinião dos críticos nem sempre converge com a do mercado consumidor?
RD - Insisto que vinho é um prazer pessoal e são os gostos que definem interesses e procura. São Roque construiu um nome forte e respeitado num estilo de vinho. Vejo com muito otimismo a entrada de São Roque no mundo dos vinhos finos, pela via de manejo de vinhedos por dupla poda, com colheita de inverno. Então, o que já era bom no campo dos vinhos de mesa, pode ver ampliada a vocação vitivinícola, com a elaboração de vinhos finos.
T&A - Em entrevista para este blog, o mestre dos vinhos Dirceu Vianna Júnior disse que os “enochatos” distanciam o consumidor do vinho, por tornarem a bebida algo difícil e inalcançável. O senhor concorda com essa visão? Se sim, de que modo podemos mudar isso?
RD - Dirceu Vianna Júnior é uma referência. Concordo totalmente com ele. Vinho é mesmo prazer pessoal. O que vale é o desejo do apreciador. ‘Enochatos’ atrapalham, sim! O que precisamos fazer mais e mais é mostrar, levar nossos vinhos ao público. Isso é melhor do que concurso.

T&A - Gostaria que o senhor abordasse um pouco a questão da formação das denominações de origem (DOs). Por que é tão difícil estabelecê-las no Brasil? De que modo elas poderiam ajudar a fomentar o vinho brasileiro?
RD - Sou totalmente favorável à adoção de indicações geográficas. Isso auxilia muito o consumidor. A dificuldade é natural. É preciso que os produtores se organizem para registrar os próprios conhecimentos adquiridos com o cultivo. Feito isso, há informações para começar um processo, dizendo o que desejamos produzir e como. Isso dá trabalho, mas compensa, já que não somos um país com cultura intrínseca de vinhos.

T&A - O produtor brasileiro de uva e vinho foi algumas vezes criticado por considerar-se fechado a opiniões e críticas de especialistas. De uns anos para cá, isso tem mudado, pois algumas vinícolas têm contratado, inclusive, consultores estrangeiros para auxiliá-las em seus processos. O senhor acredita que essa abertura ajudou na melhoria dos vinhos nacionais?
RD - Não seriam necessários consultores estrangeiros para isso. Muitos desses levam os vinhos a uma estandardização que não nos interessa. Nossos vinhos devem ter o próprio rosto. 
Taninos & Afins - Se pudesse destacar um ponto do que será abordado em sua aula magna no IFSP - campus São Roque, o que seria?

Rogério Dardeau - Farei uma ampla abordagem do que se faz hoje, no Brasil, em matéria de vinhos finos. Procurarei mostrar que elaboramos vinhos de personalidade, com magnífica diversidade e possibilidade de um grande futuro, mas ainda com a necessidade de bastante trabalho.


T&A - O que podemos esperar do mercado de vinho brasileiro nos próximos anos? Há alguma tendência que o senhor destacaria?
RD - Vejo uma tendência de regionalização da produção e do consumo, com maior reconhecimento pelo público.

Se você gostou desta entrevista, deixe seu comentário. Contamos com a sua presença na aula magna de Rogério Dardeau.